Por iniciativa do SEKELEKANI, as organizações membros da Plataforma da Sociedade Civil sobre Recursos Naturais e Industria Extractiva reuniram-se na passada Sexta-Feira, em Maputo, para debater os princípios que devem nortear o futuro regulamento de justa indemnização por perda de terra em consequência de implementação de projectos da indústria extractiva.
Segundo determina a Lei de Minas, aprovada pelo Parlamento em 2014, quando a área disponível da concessão abranja, em parte ou na totalidade, espaços ocupados por famílias ou comunidades que implique o seu reassentamento, a empresa concessionaria é obrigada a indemnizar os abrangidos de forma justa e transparente, em moldes a regulamentar pelo governo.
Tendo em conta esta deposição legal, que orienta o governo no sentido de regulamentar a justa indemnização, a Sociedade Civil entendeu por bem iniciar um debate aberto sobre o tema, como forma de se preparar para dar o seu contributo autónomo.
O seminário de reflexão, que suscitou vivos debates, foi orientado com base num documento de referência, contendo uma proposta de dez princípios a serem considerados na preparação do futuro diploma legal. O documento de referência, preparado no quadro de uma consultoria contratada pelo SEKELEKANI, propõe os seguintes 10 factores a serem reflectidos na preparação do regulamento:
(1) Expropriação; (2) Justa Indemnização; (3) Elegibilidade à indemnização; (4) Cálculo da Indemnização; (5) Restabelecimento da segurança alimentar e nutricional dos abrangidos; (6) Reassentamento em habitações condignas (7) Direito à participação e à informação; (8) Restabelecimento da coesão social; (9) Preservação do património histórico, cultural e simbólico das famílias e das comunidades; e (10) Direito à impugnação.
Um debate acalorado
Durante o debate, em torno do conteúdo de cada um destes princípios, as organizações presentes procuraram transpor estas regras para a realidade do que se passa no campo, constatando que tais princípios, apesar de já constarem de diferentes diplomas legais, quase nunca são obedecidos na implantação de projectos de indústria extractiva no campo.
Foram dados exemplos de diferentes casos em diferentes partes do país, em que o inicio de grandes projectos económicos, implicando a deslocação física de populações, não é precedido de qualquer processo formal de expropriação, por parte do Estado, ao qual se deveria seguir a indemnização dos ocupantes legítimos, na base de critérios objectivos e justos.
Pelo contràrio, as organizações participantes deploraram a frequente ausência do Estado, para defender a lei, em defesa das comunidades, quando as empresas tomam as decisões de indemnização, com base em critérios arbitrários e diferenciados, para situações similares.
Vieram à tona os casos, jamais resolvidos, de indemnizações arbitraras e fontes de protestos violentos, por parte de pessoas e comunidades expropriadas e reassentadas em diferentes regiões das províncias de Tete, Nampula, Maputo e Cabo Delgado.
Restabelecimento da coesão social e protecção do património cultural, histórico e simbólico das comunidades
O documento da proposta de princípios enfatiza que o futuro regulamento de justa indemnização deve garantir a salvaguarda, tanto quanto possível, da coesão social das comunidades a serem deslocadas, como factor central para a sua estabilização social e emocional. A coesão social, que inclui redes ou associações de ajuda mutua; vizinhança ou laços de família constitui um dos alicerces de sobrevivência das comunidades, sempre ameaças com rebentamentos.
Do mesmo modo, o património não material das comunidades, como os locais de culto locais sagrados, cemitérios colectivos ou familiares, florestas sagradas e outros foi outro dos temas destacados nos debates, no sentido da sua inequívoca consagração no futuro diploma legal. Os participantes realçaram a este aspecto que, dadas as pesadas e prolongadas sequelas sociais e emocionais de qualquer reassentamento, o acautelamento de questões de natureza espiritual das comunidades deve ser considerado com especial atenção, sob o risco de ser fonte de futuros conflitos sociais. Uns dos exemplos mais referidos são os casos em que uma comunidade é transferida para uma outra localidade com o respectivo chefe tradicional, cujo poder entra em choque com o da comunidade hospedeira.
As organizações membros da Plataforma da Sociedade Civil sobre Recursos Naturais e Industria Extractiva saudaram o SEKELEKANI pela iniciativa, e acordaram que a mesma deve prosseguir, agora com a preparação de uma proposta de projecto do regulamento sobre justa indemnização, a ser abordada com o governo, futuramente.