As organizações da sociedade civil moçambicanas estão preocupadas com as funções e atribuições consagradas à Alta Autoridade da Indústria Extractiva, considerando-as vagas e ambíguas, e defendem o perfil de uma entidade independente de fiscalização efectiva do sector.
De igual, elas consideram os mecanismos através dos quais o Estado canaliza uma percentagem das receitas provenientes da exploração de recursos energéticos em benefício das comunidades locais, pouco claros e vulneráveis a manipulações e a desvios de aplicação, apelando para uma regulação mais consistente.
Estas posições foram expressas por representantes de mais de 20 organizações da sociedade civil, que estiveram reunidos na semana passada na Cidade da Beira, num seminário destinado ao estudo das novas leis de minas e de petróleos, aprovadas pela Assembleia da República em Agosto de 2014. O seminário foi promovido pelo Centro de Estudos de Comunicação SEKELEKANI, com a assistência técnica do Ministério dos Recursos Minerais e Energia (MIREM) e da Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (ENH). O seminário decorreu nos dias 26 e 27 de Fevereiro último.
Os mais de 20 participantes ao seminário, provenientes de diversos pontos do país, ouviram explicações e debateram sobre os fundamentos que ditaram a revisão dos dois diplomas legais, bem como avaliaram o ajustamento destes à realidade prevalecente no “terreno”, na base de suas diferentes experiencias de advocacia e monitoria junto de comunidades locais. O seminário contou com a assistência técnica do Ministério dos Recursos Minerais e Energia (MIREM) e da Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (ENH)
Entre as disposições contidas nos dois diplomas legais e que maior debate mereceram entre os participantes destacam-se os relativos a direitos e benefícios das comunidades; justa indemnização por perdas e danos; reassentamentos condignos; regulação, licenciamento e fiscalização com vista ao pleno cumprimento da lei.
Indemnização justa e transparente às comunidades afectadas
Numa das suas disposições, a Lei de Minas (art.12, n°2), refere nomeadamente que “os direitos pré-existentes de uso e aproveitamento da terra são considerados extintos após o pagamento de uma indeminização justa aos utentes da terra e revogação dos mesmos, nos termos da legislação aplicável”.
Mais adiante (art.27), o mesmo dispositivo legal refere que “quando a área disponível da concessão abranja, em parte ou na totalidade, espaços ocupados por famílias ou comunidades que implique o seu reassentamento, a empresa é obrigada a indemnizar os abrangidos de forma justa e transparente em moldes a regulamentar pelo Governo”. A indemnização deve ser firmada num Memorando de Entendimento entre o Governo, a empresa e a(s) comunidade(s), podendo o acto ser testemunhado por organizações de base comunitária, se tal for requerido por uma das partes.
Ao debruçarem-se sobre este articulado, as organizações da sociedade civil representadas no seminário consideraram-nas “muito positivas”, pois exprimem o reconhecimento claro de sérios erros tem sido cometidos até agora, nos processos de concessão de licenças a multinacionais estrangeiras, com ignorância dos direitos pré-existentes das comunidades afectadas, nomeadamente sobre o seu direito à justiça indemnização e a reassentamentos condignos.
Neste capítulo particular, as OSCs participantes defenderam duas medidas que consideraram cruciais, para uma plena implementação destes comandos: o seu activo envolvimento nos processos que vão culminar com a produção do regulamento sobre indemnizações, previsto na lei, e prestação de apoio técnico às comunidades na preparação de memorandos de entendimento conducentes ao seus reassentamento em novos locais. A este respeito, exprimiram o seu agastamento por aquilo que consideraram “atitudes de hostilidade” dos governos distritais, que as impedem de prestar assistência técnica às comunidades locais, através de exigências “absurdas” de autorizações superiores.
Cálculo e gestão da percentagem das receitas destinadas às comunidades locais
Os articulados dois dispositivos legais, anunciando o princípio da canalização de uma percentagem das receitas geradas para o Estado pela extracção mineira, para o desenvolvimento das comunidades das áreas onde se localizam os respectivos empreendimentos mineiros, através do orçamento anual, foi outro dos tópicos que suscitou acesos debates no seminário.
Entre os questionamentos levantados, inclui-se a falta de clareza pública sobre a base a partir da qual o governo determina as percentagens de receitas a canalizar para as comunidades beneficiárias, bem como mecanismos fiáveis através dos quais as comunidades visadas podem decidir livremente sobre as suas necessidades de desenvolvimento, e podem gerir os seus fundos sem interferências externas ou mesmo desvios de aplicação.
A este respeito, representantes de OSCs de diferentes regiões do País denunciaram casos em que fundos teoricamente destinados ao desenvolvimento das comunidades locais (calculados no orçamento de 2014 numa percentagem de 2,7 sobre as receitas arrecadas pelo Estado) foram usadas para a construção de infra-estruturas do Estado, incluindo residências de Secretários Permanentes distritais ou alpendres para a realização de comícios. Na interacção entre os participantes ao seminário e a Directora Nacional-Adjunta de Minas, Marcelina Joel, não houve consenso final em torno deste assunto particular.
Outro tema que suscitou vivos debates foi o regime jurídico que a lei de minas consagra à Alta Autoridade da Industria Extractiva (AAIE), entidade nova no ordenamento jurídico-legal da industria extractiva, e introduzida neste dispositivo por proposta da Assembleia da República.
Nos termos do artigo 25 da Lei de Minas, a AAIE é definida como “pessoa colectiva de direito público, com autonomia administrativa e financeira, tutelada pelo Conselho de Ministros, que aprova o estatuto, que define os poderes, composição, incompatibilidades, competências, funcionamento e a estrutura orgânica”.
Na opinião dos participantes, as funções e a relevância desta entidade são criticamente ambíguas, nomeadamente porque a sua subordinação ao Conselho de Ministros afasta qualquer possibilidade dela ser encarada como entidade de fiscalização e supervisão do sector da indústria extractiva.
Em face desta posição, as organizações da Sociedade civil presentes chamaram a si o dever de intervir junto das instâncias relevantes do governo, nomeadamente através da Plataforma da Sociedade Civil sobre Recursos Naturais e Industria Extractiva, para defenderem uma composição do órgão que seja equilibrada e que assegure isenção e equidistância relativamente ao governo e as empresas concessionárias. Nos termos da Lei de Minas, a Alta Autoridade da Industria Extractiva deve ser instalada dentro de 12 meses a contar da data da publicação do mesmo diploma legal (Agosto de 2014), o que significa dentro de escassos cinco meses.
A este respeito, a Directora Nacional-Adjunta de Minas garantiu a total abertura do MIREM a receber contribuições e sugestões no quadro da preparação dos regulamentos previstos em ambas as leis.