Recursos Naturais e Indústria Extractiva

Comunidades de Afungi eufóricas de momento e distraídas em relação ao futuro

Vista parcial da Vila de Palma, Península de Afungi, Cabo Delgado. Foto: Lino Manuel / CTV

Iniciou em Afungi, Distrito de Palma, Província de Cabo Delgado, a compensação pela perda de benfeitorias e/ou de residências localizadas em Quitunda, área na qual será construída a vila de reassentamento que irá albergar as famílias de Quitupo, uma das comunidades mais afectadas pelo projecto da fábrica de liquefacção do gás natural, a ser construída pela Anadarko. Noventa e oito pessoas, entre homens e mulheres que possuíam machambas em Quitunda, uma das zonas usadas pelas populações de Afungi para a prática da agricultura, foram retiradas e compensadas em dinheiro, à razão de duzentos e trinta mil meticais (230.000,00 Mt) por hectare, com culturas tais como mandioca e, cem mil meticais (100.000,00 Mt) por área similar, sem qualquer cultura alimentar. Fruteiras tais como coqueiros, cajueiros, mangueiras e outras, também foram financeiramente compensadas. As famílias que residiam em Quitunda, em número de nove, (09) foram reassentadas na aldeia de Senga, em casas provisórias.

A compensação em dinheiro, que vem sendo efectuada pela Anadarko desde finais de 2017, na chamada fase zero, está a causar euforia colectiva no seio das comunidades de Quitupo, Senga, Maganja, Monjane e Palma sede. Trata-se de pessoas que, na sua grande maioria, são camponeses e/ou pescadores, que viviam no limiar da pobreza ou seja, que gastavam menos de um dólar por dia e, de um momento para o outro, tiveram centenas ou milhões de meticais em suas contas bancárias, abertas pela empresa para facilitar o pagamento das compensações. Sem aconselhamento algum ou preparação prévia, em matérias de poupança, a larga maioria das pessoas afectadas, tomadas pela emoção, gastam o dinheiro comprando motorizadas e viaturas, em segunda mão. Nas comunidades referidas há relatos de homens que, depois de receber o dinheiro, na totalidade, retirado das contas a partir de cheques avulso, preferiram alargar o seu agregado familiar, casando-se com duas ou mais esposas.

A euforia causada pelo dinheiro, no seio das comunidades de Afungi, é tal que leva os beneficiários a assinarem acordos de compensação e de reassentamento sem procurar perceber os condicionalismos que os mesmos impõem e nem se quer confrontar os montantes, pagos pela empresa, em função do tamanho das áreas e/ou benfeitorias perdidas. Os termos dos referidos acordos indicam, dentre outras imposições, que com a assinatura dos mesmos, as pessoas afectadas concordam em renunciar aos seus direitos sobre a terra, identificados na área do projecto, assim como dos bens nela implantados. Ficam, igualmente, impedidos de proceder à colheita e/ou recuperar quaisquer materiais nos locais cedidos à empresa, 30 dias após a assinatura dos acordos.

Perante estes condicionalismos, a questão que se coloca e que é percebida pela minoria das pessoas que receberam as compensações, sobretudo pelos mais velhos, é onde continuar a produzir culturas alimentares, uma vez que não foram entregues novas áreas agrícolas de substituição a nenhum dos reassentados em Quitunda.

O pacote de compensações, nesta fase zero e noutras subsequentes, prevê a alocação de terra às famílias afectadas, para a prática da agricultura, na proporção de até 1.5 hectare, por agregado familiar e duas mudas de cada espécie de fruteira perdida. Em surdina, algumas pessoas da comunidade de Quitupo, incluindo Milamba, proprietárias de grandes palmares, com mais de mil coqueiros, e que ainda não foram reassentadas e nem compensadas, perguntam se seria possível, numa área de 1.5 hectare repor, a dobrar, as suas plantações. Esta e tantas outras inquietações permanecem sem resposta ou clarificação, mercê da ineficiência do mecanismo de queixas e reclamações estabelecido pela Anadarko em Afungi e, da inoperância dos comités comunitários de reassentamento criados nas comunidades afectadas pelo projecto, cujos membros, segundo a percepção dos populares, actuam em defesa dos interessas da empresa.

Estas são as constatações a que chegou a missão de monitoria da Coligação Cívica para a Indústria Extractiva e Recursos Naturais, após quatro dias de visita a Palma, entre os dias 29 de Janeiro e 02 de Fevereiro de 2018. Naquele ponto do país, o grupo manteve encontros com os membros das comunidades de Senga, Quitupo, incluindo Milamba, Maganja e com o Administrador do Distrito, bem como com os representantes da Plataforma Distrital de monitoria do processo de reassentamento. A Coligação, constituída por representantes do Centro Terra Viva (CTV), Centro de Integridade Publica (CIP),Conselho Cristão de Moçambique, Sekelekani e Kuwuka JDA, reuniu-se igualmente com os técnicos da Anadarko, responsáveis pelo processo de reassentamento.

A deslocação do grupo a Palma tinha como objectivo actualizar a informação sobre o processo de reassentamento, na actual fase zero, ouvindo do Governo e de outros actores, com destaque para as comunidades afectadas, como o mesmo decorria. No final da visita, foram identificadas algumas acções que serão realizadas, conjuntamente, pela empresa, Governo e a Coligação, de modo a assegurar que o reassentamento em Afungi decorra dentro dos parâmetros legais e com menos perturbação no seio das comunidades afectadas pelo projecto.

Por: Lino Manuel (Centro Terra Viva –CTV)

Comentários

comentários