Habitantes de Mavodze, um dos povoados com 366 famílias vivendo no interior do Parque Nacional do Limpopo (PNL), no Distrito de Massingir, Província de Gaza, estão agastados com o aumento de ataques de leões e hienas contra o seu gado bovino.
Segundo os aldeãos, a situação vem se agravando desde meados do ano passado, havendo, até ao momento, registo de pouco mais de 500 bovinos mortos por leões, nas zonas onde o gado pasta, livremente, e pernoita.
O caso mais recente ocorreu na madrugada de domingo último, 19 de Março de 2018, momento em que 3 cabeças de gado, adultas e, pertencentes a Celeste João Valoi e sua filha foram devoradas por leões que deambulam ao redor de Mavodze.
A lesada, que aparenta ser septuagenária, é viúva e mantém quatro netos menores e duas noras sob a sua responsabilidade, após a morte de seu filho, no ano passado.
Segundo ela, as três cabeças, um macho e duas fêmeas, uma delas com uma cria que conseguiu escapar dos leões, eram os principais meios de sustento da sua família, a longo termo, que vive à base da agricultura de subsistência.
Partes em conflito acusam-se mutuamente
Os membros da comunidade de Mavodze acusam a administração do PNL de ter, deliberadamente, introduzido leões e hienas no interior do parque, com o intuito de intimidá-los e desencorajá-los a permanecer na aldeia onde vivem há décadas, antes do estabelecimento daquela área de conservação, em 2001.
Culpam o PNL pela morte do seu gado e exigem o pagamento do mesmo, à semelhança do que as autoridades do parque cobram aos habitantes de Mavodze, quando matam qualquer espécie de fauna bravia, quer para se defenderem como para o consumo.
Dizem ainda que, com o actual cenário, o PNL pretende forçá-los a não exigirem a criação de melhores condições nos locais indicados para o seu reassentamento, concretamente nas aldeias de Macuachane e Canhane.
Por sua vez, a administração do PNL, refuta as acusações dos habitantes de Mavodze e justifica que, nos últimos anos, as populações de leões e hienas têm vindo a aumentar naturalmente, mercê do melhoramento das condições ecológicas da zona, combinado com os esforços de fiscalização empreendidos. A demais, diz não lhe competir ressarcir o gado morto por leões, criados naquele parque, por se tratar de uma área de conservação pertencente ao Estado moçambicano.
Sobre o reassentamento da comunidade de Mavodze, as autoridades do parque dizem estar tudo a postos para a construção de 720 casas em Canhane e Macuachane. Porém adiantam que as obras não iniciam porque os membros da comunidade de Mavodze, suspenderam o diálogo que as partes vinham mantendo, em torno do tipo de cobertura que as futuras casas deverão apresentar.
Segundo o Administrador do PNL, Cornélio Miguel, a reivindicação da comunidade de Mavodze em relação à cobertura das futuras casas surge após a aprovação do modelo de habitações a construir, exercício que envolveu os membros do comité local de reassentamento. Aquele responsável revelou que a alteração da cobertura proposta pela comunidade terá implicações no orçamento.
O pomo da discórdia
Cornélio Miguel, disse aos técnicos do Centro Terra Viva (CTV) em Massingir que, face ao aumento de animais bravios no parque, alguns dos quais ferozes, a sua instituição tomou algumas medidas preventivas e anunciou-as aos habitantes dos povoados de Mavodze, Machamba, Makandazulo, Bingo e Chimangue, que ainda permanecem no interior daquela área de conservação da biodiversidade.
Aquele responsável afirmou que os habitantes de Mavodze e das demais aldeias foram advertidos a não abandonar o gado nas áreas de pastagem, sem pastor, e a mantê-lo nos currais durante a noite.
Segundo ele, aconselhou-se, ainda, que quando os animais se separassem da manada principal e se perdessem na mata, a sua localização, pelos proprietários, deveria ser feita em grupo de quatro ou mais indivíduos. Acrescentou que o mesmo se recomendou para a circulação, a pé, pela via principal, no interior do parque.
Foi dito, igualmente, que não seria permitida a circulação do gado pelas vias do parque, principalmente nas que dão acesso às instâncias turísticas ali estabelecidas, a menos que transportado em viaturas. Esta última medida foi referida pelos membros da comunidade de Mavodze, no contacto que mantiveram com os técnicos do CTV e é considerada como mal-entendido pela administração do PNL.
As restrições impostas à comunidade de Mavodze, como forma de prevenir o conflito Homem-animal, não agradaram à população da aldeia, sobretudo aos jovens.
Em pretexto àquelas medidas, pouco mais de 60 jovens de Mavodze amotinaram-se no passado dia 8 de Março do corrente ano, junto à entrada da aldeia, e impediram, através de barricadas, o pessoal do PNL, incluindo turistas, de circular pela via que liga o portão principal do parque, do lado da vila sede do Distrito de Massingir, à Giriyondo, na fronteira com a África do Sul, a noroeste.
O motim durou aproximadamente quatro horas e meia, tendo acalmado com a intervenção do Administrador do Distrito de Massingir, Sérgio Moiane, que se fez ao local para apaziguar e repor a normalidade. O governante disse ao CTV que os insurgentes apresentaram uma carta contendo quatro pontos reivindicativos.
O primeiro ponto exigia o pagamento do gado morto por leões e o segundo a libertação, imediata, de uma mulher e um jovem, ambos de Mavodze, que se encontram sob a custódia policial por terem sido surpreendidos com 1 quilograma de carne de caça e ossada de leão, respectivamente.
O terceiro contestava a recomendação de andarem em grupo de quatro ou mais indivíduos sempre que fossem à procura do gado perdido pela mata, ou a circular pela via principal, no interior do parque.
Como solução, a comunidade de Mavodze propôs, através da referida nota reivindicativa, a vedação da aldeia, incluindo as áreas onde a população pratica a agricultura e as áreas de pasto. O último ponto negava a proposta de levar o gado às zonas de pastagem e/ou de abeberamento de água por viaturas.
O Administrador do Distrito disse ter sossegado aos insurrectos com a permissão de o gado da comunidade circular, no interior do parque, sem qualquer restrição. Em relação à libertação da senhora detida pela polícia, disse ter anunciado que a mesma havia cumprido a pena e que em breve estaria em liberdade.
Adiantou que o jovem surpreendido com ossadas de leão é que permaneceria detido, para averiguações. Sobre o pagamento do gado, morto por leões, exigido pelos habitantes de Mavodze, Sérgio Moiane, não se pronunciou.
Demora no reassentamento de Mavodze e erros cometidos, na origem dos actuais problemas
A transferência da comunidade de Mavodze foi anunciada em 2003 e, 15 anos depois, ainda não se materializou. Até ao momento, o PNL somente conseguiu reassentar 2 comunidades, Nanguene, em 2012 e Macavene em 2013. Nas novas zonas de reassentamento, as famílias abrangidas pelo processo clamam pela água para o consumo e abeberamento do gado, áreas de pastagem e parcelas de terra para a prática da agricultura de subsistência.
Queixam-se, igualmente, da má qualidade das casas que lhes foram atribuídas dizendo que, na sua maioria, possuem rachas nas paredes e buracos no soalho e que, quando chove, ocorre infiltração de água pelo tecto, que cede com a ventania.
Os habitantes de Mavodze não querem passar pelas mesmas dificuldades sentidas pelas famílias das duas comunidades, reassentadas nas aldeias de Tihovene, Banga e Chinhangane, onde o convívio com a população hospedeira é descrito como problemático.
Os maus exemplos do reassentamento das comunidades de Nanguene e Macavene levam os habitantes de Mavodze a exigir, do PNL, como condição para a sua transferência, a construção de casas resilientes, garantias de reposição dos meios de subsistência, disponibilidade de terra para a prática da agricultura e para a pastagem, nas mesmas proporções que as actuais e de água para o consumo e abeberamento do gado. Pedem, ainda, que as compensações e/ou indemnizações pela perda de terra e benfeitorias sejam justas.
Enquanto não se resolve o conflito Homem-animal em Mavodze, que inclui o pagamento do gado morto por leões, a população da aldeia e a administração do PNL seguem antagónicos.