Desenvolvimento Comunitário

Em Angoche: Mulheres de Sengage exigem direito à informação

As mulheres de Sengage clamam por espaço para se pronunciarem livremente

Práticas comuns de processos de reassentamentos de comunidades afectadas por projectos da indústria extractiva em Moçambique, as mulheres de Sengage, no distrito de Angoche, viram as suas machambas integradas na área concessionada a uma empresa de extração de areias pesadas, sem o seu consentimento, nem justa indemnização. Algumas ainda, com as respectivas famílias, foram retiradas das suas residências e alojadas em casas precárias, arrendadas pela empresa, porém desprovidas de terra para cultivo de alimentos e sustento das suas famílias. “Nunca o Administrador do Distrito ou o Secretário Permanente falou connosco”, desabafam, desoladas.

“Eu tinha um terreno de cerca de um hectare, com diferentes culturas, incluindo 10 cajueiros: tudo ficou com a empresa e eu não recebi qualquer compensação! Nem pelas árvores nem pela manutenção do terreno! Tudo quanto me deram foram quatro mil meticais. Não sei o que queriam pagar com este valor! A minha única fonte de subsistência é a terra. Estou há três meses sem machamba e sem comida para o sustento da minha família, diz, muito desconsolada, a dona Maria.

“Invadiram nossas terras com culturas, e nem temos onde ir reclamar. Temos medo de falar sobre nossos problemas porque sofremos represálias e ameaças. Nossos líderes comunitários funcionam como espiões, ao serviço da empresa”. Estes são desabafos de mulheres do Posto Administrativo de Sengage, que dista a 45 quilómetros da sede do Distrito de Angoche, Província de Nampula. Elas referem-se a terras agrícolas que perderam, atribuídas pelo Governo a uma empresa chinesa de exploração de areias pesadas, a Haiyu Mozambique Mining Co. Lda.

A conversa com estas mulheres decorre à margem das primeiras consultas comunitárias sobre o desenvolvimento da fábrica de areias pesadas, empreendimento da referida empresa chinesa, já em implementação desde 2011. Ou seja, a fábrica tem estado em actividade desde há oito anos, sem antes ter obtido o consentimento das comunidades, tal como determina a lei. Porque assim o governo o permitiu.

Na conversa, as mulheres dizem ter ganho coragem de falar dos problemas que as atormentam pelo facto de estarem em diálogo com uma outra mulher (a pesquisadora do SEKELEKANI). Agastadas, sublinham que jamais foram consultadas sobre a atribuição das suas terras à empresa, e jamais receberam qualquer compensação pelas culturas e benfeitorias perdidas, e nem receberam qualquer outro espaço para a prática de agricultura, sua única base de sustento.

“Na altura em que nos tiraram as terras deram-nos algum valor. Não conhecemos a tabela de compensações, nunca vimos essa tabela e nunca ninguém nos explicou os critérios de cálculo ou qualquer esclarecimento, nada!”, desabafa Amina.

A justa indemnização ou compensação por perdas e danos é um direito garantido a todos pela Constituição da República e regulado por vasta legislação, destacando-se, no presente caso, a Lei de Minas (Lei nº 20/2014, de 18 de Agosto), em cujo art.30 determina: “quando a área disponível da concessão abranja, em parte ou na totalidade, espaços ocupados por famílias ou as comunidades (…) a empresa é obrigada a indemnizar os abrangidos de forma justa e transparente…”.

As mulheres de Sengage ficaram sem terra para cultivo de alimentos

As mulheres reclamam que os valores monetários que lhe foram pagos pelas suas terras foram tão irrisórios que nem para adquirir outros terrenos foram suficientes, muito menos para sustentar as famílias, enquanto restabeleciam os seus meios de vida, entretanto rompidos.

Quando se viram privadas das suas machambas, algumas delas procuraram espaços de cultivo alternativos em zonas distantes, mas o custo diário dos transportes (“chapa 100”) tornou tais alternativas inviáveis. “Na minha machamba eu produzia mandioca e feijão e conseguia cobrir as necessidades de alimentos da família, sem necessidade de recorrer a outras fontes de rendimento, mas agora que fiquei sem terra, ando a vender biscoitos e arrufadas de fabrico caseiro, aqui no mercadinho local, mas é muito difícil”, conta, por sua vez, a Fátima.

Ela explica que desde há três meses que se vê obrigada a comprar tudo, desde as hortaliças até a mandioca seca para fazer caracata (papas de mandioca) que são a base de alimentação das comunidades da zona litoral de Nampula.

Além da perda das suas machambas, a comunidade de Sengage também perdeu acesso a água potável, pois a empresa também lhe encerrou o furo de água que lhes garantia o vital líquido, sem lhes oferecer qualquer outra alternativa. Pelo contrário, a empresa chinesa fora abrir dois furos de água, porém em lugares bem distantes da comunidade.

Falsas promessas

Segundo as entrevistadas, a Haiyu Mozambique Mining Lda. prometeu, há anos, a ajuda-las a iniciarem um projecto de geração de renda, mas tal promessa jamais passou de meras palavras.

Nos termos de tal promessa, a empresa teria um valor de dez mil dólares americanos, para o fomento de iniciativas de geração de renda, geridas por associações locais. Em face de tal anúncio, alguns grupos organizados prepararam e submeteram propostas de projectos; porém jamais receberam qualquer resposta da parte da empresa.

As mulheres de Sengage dizem que quase nunca têm espaço e oportunidade para se pronunciarem livremente, em defesa dos seus direitos, pois sempre que representantes da mineradora chinesa se deslocam à comunidade para alegadas consultas, eles fazem-se acompanhar de agentes da Polícia (PRM). Em tais reuniões, ao agentes da PRM fazem discursos intimidatórios, ameaçando prender quem apresente reclamações ou proteste contra o que for ali anunciado. “Quando procuramos saber algo sobre nossos direitos, chamam-nos de indisciplinadas. Já tivemos casos de membros da comunidade que foram parar na esquadra apenas por questionarem sobre seus direitos”, denuncia Atija.

Segundo disseram ao SEKELEKANI, nunca qualquer membro do governo visitou, alguma vez, Sengage. “Nem o Administrador, nem o Secretário Permanente do distrito alguma vez apareceram aqui para falar connosco. Só aparecem aqui oficiais subalternos, sempre com atitudes intimidatórias, para a população não participar livremente ou para nunca falar sobre seus reais problemas”.

“Aqui só aparecem e convidam-nos para encontros quando é altura de campanha eleitoral porque querem votos, só! Mas quando nós queremos saber quando é que vão resolver nossos problemas da comunidade já é problema”, conta Atija.

Desalojadas e sem informação sobre o seu futuro

Os furos de água estão distantes da comunidade

Em Sangage existe um outro grupo de mulheres integradas em nove famílias, e que vive em condições precárias e insustentáveis. Estas famílias, depois de terem sido removidas das suas zonas de origem, foram alojadas em casas precárias, arrendadas pela empresa Haiyu Mozambique Mining, a título provisório.

Ao retira-las das suas terras, em Setembro de 2018, a empresa acomodou estas famílias em casas construídas com material local, bem como decidiu atribuir a cada família um fundo de subsistência na ordem dos dois mil meticais por mês e por um período de três meses. Na altura da realização desta pesquisa (Novembro), tal período de três meses estava a findar, e as famílias nada sabiam do que seria do seu futuro.

“Disseram-nos que estaríamos nestas casas provisoriamente, enquanto estariam a construir-nos casas novas, em substituição das que perdemos. Mas não se vê qualquer movimento de construção de casa alguma e não temos qualquer informação sobre o nosso futuro” refere, abalada, Ancha

Angoche é uma região vulnerável a ciclones e cheias ciclicamente. A aproximação da época chuvosa deixa estas famílias preocupadas, pois as casas que a empresa lhes arrenda, de tão precárias, correm o risco de desabar, assim que começar a chover.

Além de tudo, o convívio entre as famílias alojadas e as famílias hospedeiras nem sempre tem sido fácil, havendo frequentes desavenças entre as partes. Mas, para as famílias desalojadas, o pior é a falta de terra para a prática agrícola e produção de alimentos.

“Estamos apreensivas porque vamos passar fome. Agora estamos a usar reservas da colheita tirada das nossas antigas machambas. Até agora não temos novas machambas e aqui em redor ninguém tem terrenos para nos ceder”, explica Ancha.

A “meia culpa” da Haiyu Mozambique Mining Lda.

Fernando Gubudo, oficial da mineradora para os assuntos sociais, interrogado sobre a sorte das famílias abrigadas provisoriamente em casas arrendadas, garante que a situação delas será normalizada em tempo útil, para prevenir a época chuvosa.

“Disseram-nos que estaríamos nestas casas provisoriamente”

Nesse contexto, e segundo Gubudo, estas famílias vão receber casas adequadas, em espaços de entre 1000 a 2.400 metros quadrados, em harmonia com o espaço que cada família tiver perdido na região de origem.

“Nessas áreas serão construídas casas que terão um espaço em volta para a produção de mandioqueiras e hortícolas, pois é costume das famílias fazer pequenas hortas em redor das casas”, diz Gubudo

Quanto a compensações pelas culturas perdidas, Gubudo garante que as famílias receberão valores correspondentes à tabela definida pelo Ministério da Agricultura e Segurança Alimentar, através dos Serviços Distritais de Actividades Económicas (SDAE), a ser aplicada na altura da entrega das novas habitações.

“Os valores das compensações serão entregues na altura em qua a empresa também vai entregar as casas. A ideia é abrir conta bancária para cada família e depositar o valor. É nessa altura que vai cessar o subsídio dos 2.000,00 Meticais mensais pagos às famílias”, diz o oficial de assuntos sociais da empresa chinesa. O que, porem, não fica claro é a razão por que essa mesma informação não é disseminada junto das famílias abrangidas.

Juyi Li (localmente tratado por “Francisco”), Director Geral Adjunto da Haiyu Mozambique Mining Co. Lda afirma que a empresa está “consciente” dos erros cometidos no passado e que agora está pronta a corrigi-los, à procura de um convívio são com o governo e a comunidade.

É nessa linha de “correção” de erros que a empresa espera receber uma ambulância para assistir a comunidade no transporte de mulheres parturientes e outras pessoas necessitadas, para o hospital.

Em resumo: oito anos após o início de suas actividades extractivas em Angoche, sem o cumprimento das imposições legais para a obtenção de licença ambiental, a empresa refere agora que reconhece ter cometido erros, e que tem em manga programas de responsabilidade social em benefício das comunidades afectadas, incluindo oportunidades de trabalho para mulheres.

Ora, as práticas desta empresa, caracterizadas por serias violações do ambiente e de direitos humanos das comunidades afectadas, denunciadas em 2017 por um relatório da Amnistia Internacional, inspiram sérias cautelas, perante promessas de melhoria de sua conduta no futuro. A menos que o governo também mude de atitude e imponha à empresa a observância escrupulosa da lei.

 

Palmira Velasco (Texto) Naita Ussene (Fotos)

 

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