Democracia e Governação

Fundo Soberano deve responder ao dilema ético de resolver problemas imediatos do país e assegurar condições para as gerações vindouras

O primeiro seminário de auscultação pública sobre a criação do Fundo Soberano em Moçambique, realizada nesta quinta-feira em Maputo sob auspícios do Movimento Cívico sobre o Fundo Soberano, recomendou que deve se ter em conta as particularidades do país e as experiências positivas e negativas de outros países para criar um modelo de gestão de receitas de hidrocarbonetos genuinamente moçambicano.

Denise Namburete, Directora Executiva da Nweti,

A Directora Executiva da Nweti, Denise Namburete, representante do Movimento Cívico sobre o Fundo Soberano, referiu que a auscultação sobre o fundo soberano constitui uma base para a partilha de noções, dúvidas e esperança sobre o desenvolvimento do país.

Referiu ainda que o processo de criação do fundo soberano deve ser informado e transparente porque afecta a todos e as gerações vindouras.

O movimento cívico sobre o fundo soberano, pretende contribuir para que a plataforma do fundo soberano resulte de consensos e esteja adequada a realidade moçambicana.

Denise Nambrete disse esperar que as auscultações sobre o modelo de fundo soberano ajude a resolver o dilema ético entre responder aos desafios actuais, como distribuição de água, energia e infra-estruturas básicas, mas ao mesmo tempo, assegurar que as gerações vindouras usufruam.

Embaixador dos EUA em Moçambique, Dennis Walter Hearne,

O Embaixador dos EUA em Moçambique, Dennis Walter Hearne, que financia a iniciativa do movimento cívico sobre o fundo soberano, constituído pela Nweti e pela Coligação Cívica sobre Indústria Extrativa disse que esta plataforma da sociedade civil tem sido uma voz fundamental para a promoção da transparência em Moçambique.

Espera-se que a terminal de gás na área 4 da Bacia do Rovuma inicie a sua exportação de gás natural liquefeito em 2022, o que pode alterar a situação social e económica de Moçambique, pois espera-se que o governo arrecade noventa e seis (96) biliões de dólares durante o tempo de vida do projecto.

Hearne referiu que os Estados Unidos da América tem trabalhado através do seu Know-How desde o período de pesquisa e prospecção do gás e os investimentos irão continuar porque o seu país está empenhado em continuar a financiar estes projectos, sendo que actualmente foi aprovado um fundo de seguros políticos.

O embaixador dos EUA em Moçambique esclareceu que os Estados Unidos da América não apenas investem nos recursos naturais, mas trabalham com o governo para que a gestão seja responsável e transparente, por isso saúda este exercício de auscultação que vão ajudar a criar um conceito de fundo soberano genuinamente moçambicano e que responda as particularidades e aspirações do país.

Como vai funcionar o fundo soberano em Moçambique?

De acordo com Jamal Omar, Administrador do Pelouro de Estabilidade Monetária do Banco de Moçambique, o fundo soberano que o país vai adoptar será um mecanismo e não uma instituição e o modelo a ser aplicado, pretende fazer um bom equilíbrio entre as necessidades presentes do país e as necessidades futuras.

Explicou o fundo soberano que pretende ser criado tem como objectivos: acumular poupanças para que as gerações actuais e vindouras se beneficiem dos recursos naturais e contribuir para a estabilização do orçamento e estabilidade fiscal no país.

Jamal Omar, Administrador do Pelouro de Estabilidade Monetária do Banco de Moçambique

A aprovação da lei do fundo soberano cabe à Assembleia da República. A gestão será feita pelo Banco de Moçambique, que deverá prestar relatórios regulares ao Ministério das Finanças que por sua vez terá a responsabilidade de prestar contas à Assembleia da República.

Para efeitos de fiscalização, a proposta prevê que a Assembleia da República deve delegar esta função ao tribunal administrativo ou a uma outra entidade que pode ser especificamente criada para o efeito.

Ao nível do ministério deve ser criada uma unidade técnica de assessoria ao ministro e irá igualmente contractar um auditor independente, para monitorar a gestão do fundo.

E porque o fundo soberano pretende assegurar uma gestão eficiente e sustentável de recursos não renováveis, a proposta do Banco de Moçambique, prevê que durante os primeiros 20 anos de exploração do gás natural liquefeito, 50% das receitas sejam canalizadas ao orçamento do Estado e a outra metade ao fundo soberano.

O Banco de Moçambique, prevê quatro formas de como o dinheiro do fundo soberano deverá ser utilizado, nomeadamente:

a) Quando existir um choque na economia que reduza as receitas do Estado, o fundo pode ser usado para estabilizar o orçamento;

b) Em casos de calamidade pública, pode recorrer-se a valores do fundo para apoiar o orçamento em função das prioridades;

c) Para compensar a quebra de receitas a partir do vigésimo primeiro ano em que os recursos passarão a escassear e haverá uma redução de receitas; e

d) Para a taxa de gestão operacional com vista a assegurar que o dinheiro acumule poupanças e que serão usados apenas nos casos previstos.

Ainda de acordo com Jamal Omar, o fundo não deve ser usado para investir no mercado doméstico, assim como para investir no sector de hidrocarbonetos com vista a evitar dupla perda. O administrador do Banco de Moçambique, disse ainda que o fundo soberano não deve ser usado para investir directamente em infra-estruturas de desenvolvimento, tendo em conta que esta função será feita pelo orçamento do Estado que irá beneficiar-se da outra metade das receitas do gás natural liquefeito.

Jamal Omar referiu ainda ser vontade do Banco de Moçambique a existência de um fundo soberano transparente e rígido para a boa governação com um quadro legal que garanta maior participação que inclua a criação de plataformas interativas e acções de educação económica.

“Mecanismo de gestão de choques na economia são fundamentais para que o fundo soberano tenha longa vida” – Moisés Siúta

Convidado a comentar sobre a proposta do Fundo Soberano apresentada pelo Banco de Moçambique, o investigador do Instituto de Estudos Sociais e Económicos- IESE, Moisés Siúta, referiu que ter um fundo soberano que prevê os conceitos de poupança e estabilidade fiscal já em si constitui um ganho, porque uma pesquisa realizada pela sua instituição revelou que Moçambique não tinha poupanças internas e que tudo dependia do investimento externo.

Moisés Siúta, Investigador do IESE

“A existência destes conceitos na proposta do fundo soberano, significa que a iniciativa visa levar o país a contar com suas próprias forças para a poupança” – sublinhou o investigador do IESE.

Moisés Siuta analisou ainda a situação da evolução da economia moçambicana em relação aos choques, tendo a seguir, questionado com que regularidade se irá recorrer ao fundo soberano para responder a situações de calamidade.

Mencionou que Moçambique começou a década com um produto interno bruto por pessoa (PIB per capita) de 300 dólares, tendo durante este período, a economia sido afectada por choques como, ciclone Fávio, Jopue, Idai, Kenneth, Dineo, assim como a crise económica internacional, a crise da dívida pública, a crise político-militar e o terrorismo em Cabo Delgado.

A forma regular com que estes eventos ocorre, de acordo com o economista, faz com que haja necessidade de se pensar um mecanismo de gestão de choques para evitar que o dinheiro do fundo seja retirado “quase que sempre”.

Daniel Reime, consultor norueguês em finanças internacionais que apresentou a experiência do fundo soberano da Noruega, considerando um dos melhores do mundo, referiu-se à necessidade de considerar o banco central como uma entidade hospedeira válida, tendo dito que deve haver maior transparência, boa governação e uma capacidade de gestão de portefólio que reduza os riscos e aumente os ganhos.

Comentários

comentários