No posto administrativo de Chalaua, distrito de Moma, na Província de Nampula, as salas de aulas andam às moscas, porque as crianças trocam a escola pela extracção artesanal de ouro, na ilusão de procurar melhores condições de vida, incluindo adquirir bens localmente prestigiantes, como bicicletas e motorizadas. Na localidade de Nailocone, por exemplo, numa turma de 114 alunos na primeira classe, apenas 15 conseguem chegar a sétima classe. Entretanto, um trabalho coordenado entre as escolas circunvizinhas e as autoridades comunitárias locais tem logrado resgatar algumas destas crianças, levando-as de volta à escola.
Vida rodeada de riscos
A lista de riscos que ameaçam o são desenvolvimento da criança em Moçambique é praticamente infinita, desde casamentos precoces forçados e mendicidade, até trabalhos perigosos para a sua idade. Dentro desta última categoria destaca-se o garimpo, ou a extração artesanal e desprotegida de minérios, como ouro.
Alertado por organizações da sociedade civil com actividades na região, com enfoque para Solidariedade Moçambique, SEKELEKANI efectuou recentemente uma missão de pesquisa na localidade de Chalaua, onde a realidade provou ser muito pior do que os relatos recebidos.
Crianças abandonam a Escola Primaria de Chalaua atraídas pelo garimpo de ouro
Movidas pela expectativa de ganhar dinheiro aparentemente fácil, dezenas de crianças em Chalaua estão deixando de lado a escola para procurar ouro e outras pedras preciosas.
Os níveis de desistência escolar são altos, e, para justificarem a sua “corridinha ao ouro”, estes adolescentes têm um discurso comum: “vivemos na pobreza”. Entretanto, os gestores das escolas e lideranças locais não têm poupado esforços, visando resgatar as crianças e leva-las de volta aos bancos da escola – o que parece estar a suceder, com relativo sucesso.
Neste ultimo caso, o objectivo é único: apanhar alguns miligramas de ouro, independentemente dos riscos, pois esta actividade implica longas horas de trabalho duro e extenuante, realizado seja debaixo de Sol escaldante, seja sob chuva, o que traduz um grau de sacrifícios muito acima do que uma criança ou adolescente pode suportar.
Um milhão de crianças no trabalho infantil em Moçambique
Ver crianças na rua a exercer alguma actividade comercial; a pedir esmola ou a polir carros nas cidades tornou-se normal. Compramos o amendoim que elas comercializam em esquinas de ruas ou até pagamos para que vigiem nossas viaturas, sem nos darmos conta que, nestas actividades, estamos colaborando numa prática ilegal – o trabalho infantil!
O trabalho infantil é verificável nas mais diversas áreas de actividade, incluindo no transporte de pequenas mercadorias (“posso ajudar?”), na agricultura, no comércio ambulante ena mineração, particularmente a artesanal.
Muitas destas actividades são prejudicais ao são desenvolvimento físico e mental da criança, sendo ainda prejudiciais à sua saúde.
Um estudo do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) datado de 2012 estima em mais de um milhão, o número de crianças com idades entre os 7 e os 17 anos, a trabalhar em Moçambique. No plano de acção para a eliminação das piores formas de trabalho infantil 2017-2022, sob a égide do Ministério do Trabalho, Emprego e Segurança Social, consta dentre outras áreas, a industria extractiva, como uma actividade perigosa” para o desenvolvimento físico, moral e mental das crianças.
O plano consiste numa série de intervenções destinadas a evitar que as crianças sejam vítimas de exploração laboral e das piores formas de trabalho infantil (PFTI), retirando, reabilitando e protegendo aquelas cuja idade se situa abaixo da idade mínima permitida pela lei, nomeadamente quando se tratando de trabalhos considerados perigosos.
A ilusão de ganhar dinheiro fácil
A desistência escolar é uma das principais consequências directas do envolvimento de crianças em actividades de garimpo. Daniel Joaquim, coordenador da Zona de Influência Pedagógica (ZIP), do bairro Mina, diz que desde a abertura da mina naquela zona as estatísticas ficaram ameaçadas, visto que houve uma redução assinalável do número de alunos. Os alunos justificam o abandono escolar com a alegação de “procurar recursos” para comprar cadernos, porque os pais são pobres. Este é o caso de Pedro Ernesto, de 12 anos de idade. No início do ano Pedro foi à mina; porém lá não conseguiu alcançar qualquer resultado, tendo acabado por regressar à escola.
Crianças transportando de picaretas e de pás
Na localidade de Nailocone o cenário é crítico: numa turma de 114 alunos na primeira classe, apenas 15 conseguem chegar a sétima classe.
De acordo com os coordenadores das ZIPs, o pico de faltas às aulas, que podem evoluir para desistência, observa-se nos meses de Fevereiro, Março e Abril, quando cessa a época de chuvas intensas.
Nelson Manuel, de 15 anos, é um dos poucos rapazes que procura conciliar a escola e a actividade mineira. Estudante do terceiro ano do curso de agricultura no centro profissional de Nametil, ele conta que só exerce a actividade de extracção mineira quando se encontra de férias, para suplementar os poucos recursos dos pais.
“Do pouco valor obtido através da actividade do garimpo, tenho conseguido suprir alguns custos dos meus estudos. Para além do valor obtido da venda de ouro, tenho comprado chinelos para revender”, acrescenta.
História diferente é contada por Jeremias João, proveniente da Província da Zambézia. Jeremias conta que se deslocou para esta região depois que perdeu o pai, que era o garante da subsistência da família.
Assim, para apoiar a mãe nas despesas da casa, e continuar a estudar e a comprar a sua própria roupa, ele dedica-se à extração artesanal de ouro.
Porém, na opinião do Presidente da Associação Agromineira (AGROMIC), a verdadeira razão por que as crianças abandonam a Escola e se envolvem em actividades de mineração “é a ambição” pelo dinheiro.
“Não há problemas de alimentação e muito menos de roupa: os jovens incluindo as crianças aderem a esta actividade, para comprar bicicletas ou motorizadas”, enfatiza a nossa fonte.
Muitas das crianças envolvidas neste tipo de trabalho referem que foram influenciadas por pessoas próximas como parentes e amigos.
Juma Castro que mal conhece a sua idade foi à mina a convite de seus amigos. É novo na actividade, de tal sorte que ele ainda não conseguiu qualquer resultado.
“ Eu vi meus amigos: eles tinham bicicletas e roupas novas; eles disseram-me o que faziam e decidi seguir com eles’, afirma Juma, que abandonou a Escola ainda no segundo ano de escolaridade.
Há ainda casos mais graves, de crianças que jamais puseram o pé na Escola. Tal é o caso de Avelino Avelá, que passa a vida entre a pastorícia e o garimpo, em dias alternados. “ Quando não vou ao pasto fico aqui a cavar, quero entre outras coisas comprar uma bicicleta”. O Avelino foi também influenciado por amigos
Escolas desenham estratégias para mitigar a prática
Para mitigar o problema as escolas próximas de zonas de exploração têm realizado palestras com a própria comunidade, alertando-a sobre os riscos do garimpo e as vantagens de manter as crianças na escola.
António André, jovem garimpeiro há oito anos, confirma que, até recentemente, havia no terreno muitas mais crianças, que regressaram à escola, após uma campanha para esse efeito, realizada por escolas.
“Existiam muitas crianças. Muitas regressaram à Escola depois de reuniões, onde disseram que este trabalho não era para criança”. As lideranças comunitárias são também envolvidas neste processo e os resultados segundo os coordenadores tem sido encorajadores.