Recursos Naturais e Indústria Extractiva

Impactos da indústria extractiva sobre as mudanças climáticas: sinais do fenómeno em Moma

A localização geográfica de Moçambique coloca o país na rota de eventos meteorológicos extremos como ciclones e tempestades, ocorrendo com cada vez maior frequência e violência, como manifestações das mudanças climáticas. Entretanto, a entrada do país na era da extração comercial dos seus imensos recursos naturais, incluindo minerais sólidos, hidrocarbonetos e florestas, tem o potencial de agravar as mudanças climáticas e o seu impacto sobre as comunidades locais: há já fortes sinais deste fenómeno nos distritos de Moma e Angoche, na província de Nampula, onde as indústrias de extração de areias pesadas levam à destruição de florestas e de mangais, provocando a ira da natureza.

Chuva cada vez mais irregular e peixe cada vez mais escasso

Em África, particularmente em Moçambique, as actividades da indústria extractiva intensificaram-se a partir de 2010, quando a exploração de recursos naturais começou a ser feita de forma massiva. Isto inclui a extracção de recursos minerais sólidos como o carvão, o rubi e o ouro, recursos naturais líquidos como o gaz, bem como os recursos florestais. A introdução da actividade extractiva na economia nacional veio, necessariamente, tornar o país mais vulnerável a crises ambientais, devido a perturbações fundamentais aos ecossistemas.

Na Província de Nampula, nos distritos de Moma/ Larde e de Angoche, onde estão em curso actividade de extracção industrial de areias pesadas, já existem indícios evidentes de mudanças climáticas associadas à actividade extractiva, com sérios impactos negativos na subsistência das comunidades locais.

A devastação de florestas nativas, ricas em plantas medicinais e com valor espiritual único para as comunidades locais, a escavação de solos e destruição de mangais, tudo em conexão com actividades extractivas, são práticas já causadores de fome, conflito e desorientação cultural das comunidades locais.

“As mudanças climáticas são uma realidade e têm-se manifestado sobretudo de duas formas, nomeadamente cheias e ciclones, que nos últimos sete a oito anos têm ocorrido com frequência, afectando sobretudo as províncias da zona costeira”, afirma Ismael Castigo, Director dos Serviços Distritais das Actividades Económicas (SDAE), do Distrito de Larde.

Ismael Castigo reconhece contudo não haver ainda estudos conclusivos sobre a relação entre a indústria extractiva e as mudanças climáticas no distrito de Larde. Contudo ele reconhece  que nas regiões onde se faz a exploração mineira existem diferenças notáveis entre o período antes e depois do início desta actividade extractiva.

Ismael Castigo refere que na mineração há movimentação de solos. As terras ficam abertas e expostas à incidência solar directa. O habitat das plantas e dos animais é também afectado. Com todo esse contexto é natural que se produzam mudanças no meio ambiente. O nosso interlocutor acrescenta que, por exemplo, no caso de Larde a poluição sonora, derivada das maquinas pesadas de extração de minerais; o derrame de combustíveis e a radiação das areias pesadas afectam a pesca.

“No distrito de Larde não tem chovido com regularidade; na verdade tem faltado chuva. Por causa disso, nesta região há pouca produção agrícola de uma forma geral, mas em particular a produção de arroz por ser uma cultura que precisa de muita água”, diz Ismael Castigo. O período de Outubro a Fevereiro coincide normalmente com a época chuvosa; contudo, até o início do mês de Março a precipitação não chegara a 100 mililitros, o que prenuncia uma crise que irá provocar fome ao longo do ano 2021”, explica o técnico.

Os impactos não se limitam a área agrícola, devido à escassez de chuva, alargando-se à área pesqueira. Há escassez de peixe, camarão e caranguejo devido à destruição do mangal, quer por erosão dos solos, quer por acção humana.

Por outro lado ainda, a erosão dos solos no distrito de Larde é visível e cresce dia após dia, de tal modo que a própria Vila-Sede do Distrito corre o risco de desaparecer! O leito do Rio Larde tem vindo a aumentar em velocidade progressiva. A água não encontra nenhuma barreira; ela engoliu a vegetação, o caminho e as árvores, e está prestes a derrubar as casas circunvizinhas dos edifícios do governo distrital.

Desde o ano de 2013, ano em que Larde foi elevado de Posto Administrativo do distrito de Moma à categoria de distrito, o número de habitantes aumentou, criando grande pressão sobre o uso dos recursos florestais e marinhos. O mangal é também destruído pelo homem para tirar estacas que usa na construção de casas e ainda como combustível lenhoso.

Destruição do Monte Pilipo elimina floresta sagrada e plantas medicinais

Uma das primeiras consequências resultantes da extracção das areias pesadas de Larde (antes Moma)   é a destruição das matas locais, que, para as comunidades significam “vida”, pois elas ocupam espaço determinante nas suas vidas.

Em 2017 aconteceu um grave incidente, de múltiplas consequências ambientais e culturais, para a comunidade de Topuitho, que foi a destruição do Monte Pilipo, local que albergava uma floresta sagrada e rica em planas medicinais. A Associação de Desenvolvimento de Topuítho considera por isso que o desmatamento do Monte Pilipo foi o mais grave acto de agressão à natureza para a exploração de recursos minerais na zona, dado o seu significado enquanto património cultural local.

“No Monte Pilipo tínhamos o nosso santuário jawá, lugar sagrado onde fazíamos as cerimónias e rezas de propiciação. Existia ali uma palhota que funcionava como hospital de tratamento tradicional de diferentes malezas. Quando alguém estivesse gravemente doente era internado no jawá, onde o curandeiro mais velho lhe administrava os devidos tratamentos, na base de plantas medicinais, até à cura”, diz Silvano Pedro, membro e responsável da associação.

Destruído o lugar sagrado, a autoridade tradicional vê-se agora forçada a usar cemitérios de seus antepassados, régulos, para a realização de missas para pedir chuva, a prevenção de doenças, o bem-estar e prosperidade do povo, entre outras coisas”, lamenta o régulo Matapa.

Com a destruição do Monte, foram também extintas algumas plantas medicinais, que jamais voltarão a aparecer. Por exemplo, neste momento, as comunidades dizem não conseguir  localizar determinadas plantas, como a tapatiwa, planta muito conhecida pelas suas propriedades medicinais para o tratamento de dores musculares e entorses.

A icuri, uma outra árvore de múltiplo uso na medicina tradicional e que só existia no Monte Pilipo também foi extinta. Para além de seu uso no tratamento de Acidentes Cardio Vasculares- AVC), a semente do seu fruto é usada como alimento, em épocas de crise alimentar e as suas estacas usadas para construção de habitações.

De acordo com o conhecimento das comunidades locais, quer a icuri, quer a tapatiwa, eram plantas exclusivas do habitat do Monte Pilipo, não sendo conhecidas em outras localidades circunvizinhas.

Monte Pilipo despido da sua vegetação

Uma outra consequência da destruição da floresta local vai ser o aumento da pressão sobre o mangal, ao qual as comunidades tenderão a recorrer, para corte de estacas de construção.

Destruição de florestas aumentando pressão sobre os mangais

Presentemente, o distrito de Larde possui 300 hectares de área de mangal por repovoar; contudo o ritmo do repovoamento é extremamente baixo, já que esta actividade parece realizar-se apenas em dias comemorativos. “No ano 2019 plantamos 3.000 árvores e em 2020 apenas 2500. Nestas campanhas só têm participado alguns líderes comunitários, pescadores e algumas associações, mas se a acção fosse contínua, facilmente o distrito atingiria a sua meta dos 300 hectares”, reconhece Ismael Castigo.

Estratégia de reflorestamento ignorada  

A Estratégia para Reflorestamento produzida em 2009 pela Direcção Nacional de Terras e Florestas do Ministério da Agricultura refere que “… no que respeita ao aquecimento global que se regista actualmente exige de todos os países esforços no sentido de reduzir as emissões dos gases de efeito estufa como é o caso do dióxido de carbono. Neste caso, o estabelecimento de plantações florestais no país poderá contribuir para minimizar os efeitos do aquecimento global através do processo de fixação do dióxido de carbono da atmosfera pelas florestas”.

No entanto, existem duas componentes da estratégia quase praticamente ignoradas, quer por empresas extractivas, quer pelo governo, que são as seguintes: Componente 3, sobre plantações comunitárias, que trata árvores de uso múltiplo e plantações de pequena escala, estabelecidos por indivíduos, famílias, comunidades, associações ou organizações comunitárias de base, instituições de ensino e educação, para melhorar a qualidade do ambiente, reabilitar áreas degradadas, produzir bens e serviços de autoconsumo e abastecimento do mercado local e   Componente 4, sobre Plantações de conservação e protecção ambiental, que trata de plantações com ênfase para a protecção de ecossistemas frágeis (Dunas costeiras, bacias hidrográficas, zonas montanhosas, mangais), conservação da biodiversidade, reabilitação de florestas degradadas.

 O apoio à criação de associações para geração de renda foi uma das medidas encontradas pela Kenmare para mitigar os problemas das comunidades que perderam machambas de onde faziam suas culturas de subsistência. As associações criam estufas para produzir viveiros com mudas para posterior plantação nas zonas já exploradas. Assim, a empresa Kenmare deve comprar mudas para o repovoamento das florestas às associações estabelecidas em Topuítho, mas fá-lo a crédito, sendo os pagamentos efectuados, no mínimo, após quatro meses.

Produção de viveiros para reflorestamento

As mudanças climáticas na agenda global

As actividades que poluem o ambiente e contribuem para o aquecimento global têm vindo a aumentar de forma galopante a nível mundial. Entre estas actividades, responsáveis por uma crescente agressividade do clima, incluem-se a exploração de recursos naturais através da extracção mineira industrial, o desmatamento de florestas para a construção de infratrururas ou para a produção de madeira, entre outras. Moçambique já se ressente, e cada vez mais intensamente das mudanças climáticas que nos últimos anos manifestaram-se através de sucessivos fenómenos naturais extremos como os ciclones Idai, Kenneth (2019) e Eloise  (2021)

Na década de  1970 o mundo ganhou consciência do mal causado ao planeta Terra devido à degradação ambiental  e os Estados, governos e Organizações Não-Governamentais começaram a preocupar-se com este fenómeno, através da organização de cimeiras de nível global. Dentre esses encontros destacam-se: a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento de Meio Ambiente, realizada em Estocolmo, (1972); a Conferência do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente do Planeta (1992), a Conferência de Joanesburgo sobre Estratégias para as Mudanças Climáticas para a África, (2015) e a Conferência sobre o Tratado Internacional com compromissos mais rígidos para a redução da emissão dos gases que produzem o efeito estufa, realizada no Quioto, Japão, em 1997.

A mais recente destas cimeiras foi a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças  Climáticas de 2015  de Partes (COP 21) A conferência atingiu o seu objetivo quando pela primeira vez na história um acordo universal, o Acordo de Paris, definiu medidas para reduzir os efeitos das mudanças climáticas e foi aprovado com aclamação por quase todos os países membros das Nações Unidas.

Topuito sem água há quatro meses

Antes da instalação da fabrica da Kenmare as comunidades de Thopuito consumiam água de  poços artesanais. Mas com o início da mineração, a água dos poços passou a ficar contaminada por óleos derramados pelas máquinas durante os trabalhos de extracção.

Para mitigar a crise, a empresa de capitais irlandeses montou um sistema de abastecimento de água que é bombeada a partir do Rio Mavele até a fábrica. O mesmo sistema foi instalado para o abastecimento das comunidades de Topuítho.

Entretanto, passam já quase quatro meses que as comunidades locais não têm água para o consumo e nem as associações podem regar as plantas porque a conduta que  transporta o vital liquido do rio Mavele à fábrica, foi rompida durante a transferência da planta da fábrica, de Topuítho para  Pilivili. Em consequência, a população, para ter acesso à agua, deve atravessar os quase 70 metros de largura de estrada, com risco de vida, devido a passagem frequente de viaturas e maquinas.

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 Palmira Velasco (texto). Nelcia Tovela (imagens)

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