No distrito de Balama, Província de Cabo Delgado, situa-se a maior fábrica produtora e exportadora de grafite do mundo, com um avultado investimento de cerca de 250 milhões de dólares americanos, de capitais australianos. A fábrica, inaugurada em Abril do presente ano pelo Presidente da República, Filipe Nyusi, abastece o mercado mundial de componentes de baterias, nomeadamente as usadas em carros elétricos.
Além da sua contribuição em impostos para o erário público, o empreendimento constitui uma forte promessa de alavancamento das condições de vida das comunidades locais, através de programas específicos de desenvolvimento comunitário. Contudo, o governo distrital reprova as estratégias até aqui seguidas pela Twigg Exploration and Mining, a empresa concessionária do empreendimento, por serem iniciativas unilaterais desta, sem o necessário acordo entre todas as partes, incluindo as comunidades beneficiárias. SEKELEKANI visitou a fábrica e traz ao conhecimento público os contornos mais recentes do desenvolvimento da fabrica, nomeadamente em iniciativas com impacto sobre as comunidades locais.
A mina de Balama e o seu potencial
A mina de Balama foi descoberta e documentada, pela primeira vez, em 1893, por John Furman, um engenheiro geólogo que trabalhou na Companhia do Niassa, uma das empresas majestáticas concessionárias de terras naquele período em Moçambique. Passados mais de 120 anos, (Cento e Vinte ) a empresa australiana Syrah Resources, da qual a Twigg Exploration and Mining é subsidiaria, veio anunciar que Balama era a maior reserva de grafite alguma vez identificada no mundo.
Estima-se que a mina possua cerca de 81.4 milhões de toneladas de grafite, mineral que é um excelente condutor elétrico, possuindo, por isso, aplicações em eletrónica, como em eletródios e baterias. A grafite é também usada na fabricação de tintas para a proteção de estruturas metálicas e de aço. É igualmente conhecida a sua aplicação comum como mina do lápis, quando misturada com argila fina.
Aspecto da comunidade de Balama
Balama situa-se a cerca de 265 quilómetros de Pemba, a capital provincial de Cabo Delgado. Com uma população estimada em 143 mil habitantes, segundo o censo de 2015, o distrito é integrado por oito localidades, nomeadamente Balama Sede, Pirira, Mualia, Ntete, Ncuite, Marica, 7 de Setembro e Nacole.
Com as largas reservas de gás natural na bacia do Rovuma, no distrito de Palma, e as de rubi na região de Namanhumbir, no distrito de Montepuez, o anúncio da grafite de Balama como a maior reserva mundial deste mineral veio a catapultar a Província de Cabo Delgado como região hospedeira de reservas massivas de três recursos naturais de classe mundial, concentradas na província de Cabo Delgado.
A Twigg Exploration and Mining Lda começou as operações de pesquisa em 2011. Nos dois anos seguintes atingiu o pico de pesquisa, quando concluiu que com a quantidade de grafite encontrada é comercialmente viável, o que deu azo ao início de negociações com o governo moçambicano, as quais viriam a culminar com a concessão do contracto mineiro com validade de 25 anos.
Entretanto, o maior desafio que se coloca a Moçambique, para tirar maior proveito da mina, é a construção de uma fábrica de baterias em Balama, para os fornecer ao mercado internacional, reconhece David Napito, Director Geral do empreendimento. Por outro lado, do ponto de vista de contribuição directa para a economia de Cabo Delgado, a saída do minério pelo porto de Pemba seria de grande valia. Contudo, a grafite é transportada até ao porto de Nacala, já que o porto de Pemba não tem capacidade para receber navios de grande porte. Adicionalmente, as infraestruturas portuárias não possuem espaço suficiente de armazenamento.
Ocupação de terra e impacto sobre as comunidades
O projeto da exploração de grafite em Balama ocupa um espaço avaliado em 6 mil hectares, contra os 11 mil inicialmente disponibilizados pelo governo. “Havia muitos agregados familiares dentro destas terras”, diz David Napido, explicando por que o espaço de terra ficou reduzido praticamente a metade. Neste espaço onde situam-se as minas, ficará localizada a fábrica e o acampamento dos trabalhadores. Neste espaço não haviam habitações, apenas machambas. Daí que o reassentamento em Balama tenha sido apenas de natureza económica, já que não houve necessidade de remover ninguém de uma zona para outra. Assim, a indemnização consistiu na compensação pela perda de machambas e árvores de fruta, usando a tabela estabelecida pelo governo. Os camponeses que perderam as suas machambas vão receber outras, de reposição , com o respectivo DUAT-Direito do Uso e Aproveitamento de Terra, segundo asseguram os gestores da Twigg.
O que diz a comunidade
João, residente em Ncuite, uma das comunidades abrangidas pelo projecto, conta que a empresa quando chegou fez consultas comunitárias e pediu credenciais da localidade e do distrito. A população apresentou o que desejava ver feito.
Nas consultas, a empresa prometeu construir escolas, hospitais e abrir furos de água. Mas, até iniciarem a pesquisa não fizeram muita coisa. Abriram um poço perto da escola e colocaram energia eléctrica para permitir que os adultos estudassem no curso nocturno. Houve roubo de cabos eléctricos e tudo parou porque já não há energia.
Em Janeiro deste ano a empresa Twigg reuniu com a população e questionou de novo o que queria que fosse feito porque a empresa já iniciou a exploração da mina. A empresa pediu que a população escolhesse uma das três coisas, nomeadamente a construção de uma barragem, uma escola ou um hospital porque não seria possível satisfazer os três pedidos duma só vez.
A população pediu uma barragem e apontou um pântano, espaço onde gostaria que fosse lá construída porque resolveria muitos problemas. A empresa respondeu que submeteria a proposta à Administração para sua aprovação.
A esperança de sermos empregues na fábrica foi gorada porque não é possível contemplar a todos. A Administradora convocou os secretários dos bairros para uma reunião com a empresa para pedir a apresentação da lista dos trabalhadores locais admitidos na empresa, mas o pedido não foi satisfeito.
Na comunidade de Ncuite, por exemplo, foram admitidas 24 pessoas, das quais seis são mulheres.
As compensações económicas e indemnizações satisfizeram as comunidades porque a empresa pagou por cada hectare de terra 60 mil meticais. O valor aumentava se houvesse árvores de fruta. No entanto não são todas as pessoas que receberam as indemnizações. Algumas receberam senhas e serão compensadas à medida que a mina vai crescendo e atingindo novos espaços.
Actividades de Responsabilidade Social Empresarial: os pomos da discórdia
Nos anos seguintes ao inicio de actividades, a empresa começou a implementação de algumas actividades de carácter social, junto das comunidades locais, como a abertura de furos de água e montagem de painéis solares em duas maternidades locais. Numa outra fase, a Twigg alargou o leque das suas intervenções para áreas de cuidados ou tratamentos de malária, HIV e SIDA e vacinações, contudo sem qualquer coordenação com o Governo Distrital. Em consequência, nem as comunidades nem o governo se associam as actividades sociais da empresa, as quais chegam a colidir com as do governo. A empresa tem estado a implementar estas actividades no âmbito de um fundo social que anunciou para o seu programa de responsabilidade social, no valor de 15 milhões de dólares, para um período de cinco anos.
Entretanto, segundo explica o Director dos Serviços Distritais de Agricultura e Economia (SDAE), Arsénio André Jumamossi, no início do presente ano (2018) foi constituído um Comité de Desenvolvimento Local, com a função de liderar o processo de identificação das necessidades de desenvolvimento da comunidade e gerar a sua implementação, com base no fundo anunciado pela empresa. Contudo, antes do Comité se achar devidamente estruturado e com o mecanismo de gestão do fundo estabelecido, a empresa tem estado a adiantar com a implementação de actividades, decididas de forma unilateral.
“O governo distrital sente falta de transparência na atitude da empresa, que está a definir e implementar actividades antes da existência de um sistema de gestão financeira seguro. Por exemplo, era necessário abrir-se uma conta bancária, com assinaturas das três partes: a empresa, o governo e representantes das comunidades”, destaca Jumamossi.
Para se sanar as divergências, foram realizadas, recentemente, três reuniões de concertação, envolvendo a empresa, o governo distrital e representantes das comunidades beneficiárias. Contudo, ainda não foi alcançado progresso, no sentido de harmonização de agendas pois, da última vez, os representantes das comunidades abandonaram a reunião, frustrados.
Mas a Administradora do Distrito, Eusébia Maria Celestino, alarga o campo de discórdias com a Twigg à área de recrutamento de mão-de-obra. Segundo a administradora, a empresa, que se comprometeu a dar prioridade à mão de obra local, alega ter já contratado 400 pessoas locais; contudo tem-se recusado a fornecer a respectiva lista, para efeitos de confirmação.
Nos termos de um Memorando de Entendimento assinado em 2017, o processo de recrutamento de mão-de-obra local pela Twigg deve basear-se em critérios de equidade, beneficiando todas as oito comunidades ali fixadas, nomeadamente Balama-Sede, Pirira, Mualia, Ntete, Ncuite, Marica, 7 de Setembro e Nacole. “Isto corresponde às promessas feitas às comunidades durante a fase das consultas” recorda a Administradora.
Nas palavras do Director do SDAE, esta relutância significa que a Twigg violou os termos do Memorando de Entendimento, dai que se recusa a disponibilizar a lista nominal das pessoas recrutadas.
A posição da empresa
Solicitado a reagir às declarações de membros do governo distrital, Dinis Napito, Director a Twigg, confirmou a disponibilidade de 15 milhões de dólares americanos para programas de desenvolvimento local. Acrescentou que desse total, quatro milhões serão aplicados nos próximos cinco anos. Relativamente ao mecanismo de gestão do mesmo fundo, Napido mostra-se relutante quanto à sua gestão através da abertura de uma conta bancária com três assinaturas. “Isso não vai ser possível. As comunidades que identifiquem as suas necessidades. que o governo aprove e a empresa vai efectuar os pagamentos” , remata Napido.
Com as posições assim extremadas, prevê-se ainda um longo exercício de harmonização entre as partes, sobre o melhor modelo de implementação de programas de responsabilidade social corporativa, que sejam consensuais e relevantes para as comunidades beneficiárias.
Barragem de Chipembe já reabilitada
Entretanto, no rol das suas actividades de responsabilidade social, a Twigg aponta uma intervenção de apoio a agricultores, abrangendo a aldeia 7 de Setembro onde localiza-se a Barragem de Chipembe, que a empresa reabilitou. Esta actividade resultou de um Memorando de Entendimento rubricado com o governo provincial, para a reabilitação das comportas da barragem, permitindo a conservação de mais água, através da reabilitação das vias de acesso, construção de pequenas pontes, desmatamento e lavoura de 600 hectares, num investimento que calculado em 2.000.000 US$ (dois milhões de dólares americanos).