Burla ao estado e detenção de activistas da Amnistia Internacional
Contra todas as expectativas, nos últimos três anos, o Estado moçambicano perdeu cerca de 13 milhões de dólares norte-americanos só em impostos, resultantes da exploração das areias pesadas de Sangage, nomeadamente zircão e rutilo produtos usados para o fabrico de tintas, plásticos, na indústria de cerâmica e de aviação, peças ortopédicas, entre outros fins.
No contrato de exploração dos jazigos de Sangage em Angoche no início das operações em 2011, entre o grupo chinês Hayiu Mining Company e o Governo moçambicano, a empresa propunha-se a fazer um investimento na ordem de 30 milhões de dólares norte-americanos para a produção de 215,4 milhões de toneladas de ilmenite, zircão e rutilo, criar cerca de mil postos de trabalho onde a prioridade seria para a população local, pagar impostos de superfície e sobre a produção. Só em impostos, esperava-se que, em média anual, o Estado teria um encaixe de cerca de quatro milhões de dólares, cifra que, comparada com a realidade, não passa de mera miragem.
Sem água e sem energia
Com efeito, o @Verdade constatou que a Hayiu Mining Company, desde que iniciou a exploração dos jazigos em Sangage, só efectou o pagamento dos impostos sobre a actividade no mês de Agosto do ano em curso. A empresa canalizou para os cofres do Estado, por intermédio da Unidade dos Grandes Contribuintes da Autoridade (UGC) Tributária de Moçambique (AT) no balcão da cidade de Nampula, apenas 60 mil meticais, contra os cerca dos 30 milhões de meticais anuais que a firma devia pagar.
Detenção de activistas de direitos humanos
Entretanto, em mais um caso que espelha o difícil relacionamento entre a sociedade civil e os governos locais, cinco activistas de direitos humanos, nomeadamente três da Amnistia Internacional e dois nacionais, foram detidos na esquadra da policia de Angoche, no dia 18 de Setembro, quando se encontravam a realizar uma pesquisa sobre os impactos sociais e económicos da actividade mineira na região. A pesquisava tinha como objectivo aferir o grau de cumprimento da legislação pertinente por parte da mineradora chinesa, mormente no que se refere ao respeito pelos direitos humanos dos trabalhadores e das comunidades afectadas pela actividade mineira.
Os três activistas da Amnistia Internacional eram de nacionalidade portuguesa, brasileira e sul- africana e viajavam acompanhados por dois activistas locais, nomeadamente por Ussene Salimo, Oficial de Lobby e Advocacia da AENA (Associação Nacional de Extensão Rural – Nampula). Chegados a Angoche e pelo Régulo de Murrua , Lopes Cocotela Vasco, que a eles se juntou em Angoche.
Segundo o Secretario Permanente do Distrito de Angoche, Clemente Loforte, que interrogou os activistas ao longo de seis horas consecutivas, na Esquadra local da PRM, a detenção destes devia-se ao facto deles não se terem apresentado e pedido autorização de circulação na zona, junto das autoridades distritais. Em associação a esta alegacão, o Secretario Permanente acusou as organizações da sociedade civil locais e o régulo de Murrua, de promoverem actividades de “agitação” à população.
Durante o interrogatório na Esquadra da Policia, os agentes da PRM confiscaram e destruíram os ficheiros e as fotografias que aqueles haviam captado, nos diálogos travados na véspera, com a comunidade de Nagonha, uma localidade que está a sofrer com o impacto negativo da indústria extractiva, bem como com o comité comunitário.
Entre os ficheiros destruídos, de acordo com o Oficial da AENA, havia depoimentos e fotografias de duas senhoras, expulsas da mineradora chinesa por estarem grávidas. Esta prática é conhecida pela população local como “normal”, isto é, que as mulheres são sempre despedidas quando em período de gestação.
Perante estes factos, os activistas questionam o significado da conduta do governo, ao confiscar- lhes e destruir as informações que haviam colectado, comprovando a violação da lei por parte da mineradora chinesa. No seu ponto de vista, tal conduta é indiciadora de que o governo não tem qualquer interesse em investigar as violações à lei perpetradas por empresas de exploração mineira, preferindo, pelo contrário, oculta-las do conhecimento público.
Ao confiscarem os telemóveis aos pesquisadores da Amnistia Internacional, as autoridades de Angoche pretendiam impedi-los de entrar em contacto com o mundo exterior, denunciando o acto e pedir ajuda: contudo, quando a policia lhes tomou estes aparelhos pessoais de comunicação, eles já haviam alertado as respectivas embaixadas e a Plataforma Provincial das Organizações da Sociedade Civil de Nampula. Assim, foi na sequência de pressões exercidas por estas entidades bem como por organizações da Sociedade Civil baseadas em Maputo, que o governo do distrito se viu forçado a liberta-los da esquadra policial, oito horas depois.
Segundo relata Ussene Salimo, na verdade a delegação previa reunir-se também, no dia seguinte, com o Governo de Angoche e com representantes da empresa mineradora, e só contactou primeiro a comunidade local porque esta esteve à espera desde a manhã do dia anterior. Contudo, nem esta explicação foi suficiente para as autoridades locais.
Tentativa de intimidação
Esta não foi a primeira vez que um governante em Angoche acusa as organizações da sociedade civil de criarem desestabilização. O Administrador de Angoche, Fonseca Etide, acusou recentemente as organizações da sociedade civil ao nível da província de Nampula de estarem a fomentar agitação no seio das comunidades.
O Régulo Murrua considera que embora tenha havido uma intenção de intimidar a sociedade civil, tal tentativa não produziu os efeitos pretendidos, uma vez que eles não se sentiram ameaçados e irão continuar com as suas actividades, em defesa dos direitos das comunidades locais.
A Solidariedade Moçambique (SOLDMOZ), organização da Sociedade Civil que ocupa o cargo de vice-presidente da Pataforma das Organizações da Sociedade Civil da província de Nampula afirma ter solicitado um encontro com o administrador e o secretário permanente do distrito de Angoche com vista a buscar esclarecimentos em torno do caso. A SOLDMOZ, através do seu Director Executivo, António Mutoa, considera este acto como tentativa de intimidação, porque todo o processo de implatação da Haiyu Mining Company foi feito de forma não transparente, e com sérios atropelos à lei, daí limitar o trabalho das organizações da sociedade civil naquela área.
Com efeito – acrescenta Ussene Slimo, a detenção dos cinco activistas foi o culminar de acções de bloqueio do governo de Angoche a quaisquer actividades de advocacia junto das comunidades locais: “Toda a vez que marcamos encontro com o governo para debate público, ou para esclarecimento, entre as comunidades, o governo e organizações da sociedade civil, o governo nunca aparece!”- explica o activista da SOLDMOZ.
Haiyu Mining Company: um pesadelo para a comunidade de Morrua
A Haiyu Mining Company inicia as suas actividades em 2011, ano em que lhe concessionada uma vasta área para a exploração de areias pesadas em Sangage. Das areias pesadas a empresa extrai Ilmenite e Zircão. No ano seguinte, a empresa 2012 iniciou a instalação das suas infra- estruturas em Morrua e a exploração atingiu as comunidades de Morrua, Sangage e Nagonha, sem no entanto realizar qualquer consulta comunitária, contrariando a lei.
Já no seu terceiro ano de actividades, e com uma concessão que vai até o ano de 2025, o impacto da actividade mineira na melhoria da qualidade de vida da população local não só mantém-se nulo, como tem sido, pelo contrário, visivelmente prejudicial.
O impacto sobre recursos naturais estratégicos para a sobrevivência da população local, como arvores; hortaliças e água têm contribuído para a degradação das condições de vida da população local de Murrua,.
A extracção mineira está a escassos metros da comunidade e estas não receberam ainda nenhum aviso. Os criadores de animais estão preocupados. O capim, usado pelos animais de grande porte como sua base de alimentação está sendo extinto pela mineração. “Qual será a solução desses animais?” questiona o Régulo Morrua. Quando perguntam aos representantes da Haiyu sobre o estudo do impacto ambiental, estes limitam-se a dizer: “É um livro grande”.
João Victorino do Rosário, membro do Comité Comunitario local. de Morrua, descreve o que se passa em Morrua nos seguintes termos:
“Nós dependíamos muito da natureza; mas com a extracção mineira está a haver uma transformação da própria natureza e do próprio ambiente. Estão sendo “exterminadas” alguns recursos de que a comunidade muito dependia. As pequenas matas onde cortávamos árvores para a construção das nossas casas e capoeiras estão sendo extintas. O capim que usávamos para a cobertura das nossas casas está sendo extinto. E mesmo havia plantas silvestres que serviam de alimentos também estão sendo extintos. Até a lagoa, que nos fornecia peixe, já está em perigo! A água já não serve, nem para tomar banho.”
Impacto ambiental negativo e falta de água potável
O impacto ambiental em Morrua em virtude da exploração das areias pesadas é evidente. “O peixe que anteriormente era extraído da lagoa já está a desaparecer. As folhas de mandioca usadas para a alimentação já não saem com boa qualidade. A água usada para o consumo está poluído” reclamam os membros da comunidade de Morrua.
Ninguém sabe dizer ao certo se chegou a fazer um estudo de impacto ambiental em Angoche. Há apenas rumores que apontam que a Haiyu Mining Company contratou uma empresa para fazer esse estudo. Quem fez, o que dizia o estudo e onde pode ser lido… ninguém sabe responder.
As linhas que transportam a corrente eléctrica e os tubos de água passam pela comunidade de Morrua em direcção a empresa Haiyu Mining Company. Mas na comunidade fica apenas a escuridão e a sede, por falta de água! Há tempos que a população reclama pela corrente elétrica
e pelo líquido precioso. O governo pede paciência. De acordo com João Victorino do Rosário, a comunidade já fez chegar por diversas vezes estas preocupações a autoridades do distrito de Angoche, mas nada é feito: “as estruturas quando recebem essas inquietações da comunidade, elas sempre dizem que “é só esperar, esperar e esperar, e o tempo passa, e a paciência também esgota.”
Quando a paciência esgota estes colocam troncos e erguem barricadas na estrada inviabilizando a passagem dos camiões da empresa Haiyu transportando minérios para o porto de Nacala como foi o caso reportado em 2014.
A comunidade desabafa “aqui o desespero é total, porque já nem sabemos prever o que vai ser do futuro e apelamos uma resposta urgente.”
Sinuosos mecanismos de comunicação com o governo e a empresa
Sem qualquer consulta pública, as comunidades afectadas decidiram criar um comité de gestão, a servir de elo de ligação em o governo e outras partes interessadas, conforme explica o Régulo Morra: “a comunidade, sentindo que estava ficando de longe do desenvolvendo, decidiu criar esse comité para que esse comité seja elo de ligação entre a empresa, o governo e a comunidade que o próprio comité representa. Mas são imensas dificuldades que o comité está a enfrentar, particularmente a falta de abertura dos órgãos locais do estado.”
Para encaminhar as suas preocupações ao governo, o comité desloca-se as secretarias dos gabinetes de modo a entrar em contacto com representantes de chefes de sector governo do distrito. Mas na maior parte das vezes, o que sucede é que quando nos dirigimos para lá, aos chefes não estão… No entanto já conseguimos falar com o Presidente do Conselho Municipal e ele nos prometeu que faria um encontro com o comité e o Conselho Municipal. Contudo, contam os membros do Comité Comunitário, é difícil entrar em contacto com qualquer representante da empresa, e das poucas que as suas tentativas tiveram algum sucesso, os representantes da empresa respondiam, a qualquer reclamação, dizendo: “apresentem esse problema ao governo”