Desenvolvimento Comunitário

Mulher e Indústria Extractiva: ainda longe uma da outra

A posição da mulher na Indústria Extractiva em Moçambique ainda está longe de ser considerada satisfatória. Constrangimentos de natureza sociocultural e legislativa podem ser apontados como as principais causas deste quadro. Com efeito, para além do bloqueio ao mundo laboral, imposto por tradições discriminatórias, a legislação pertinente também não oferece estímulos a uma participação mais activa da mulher na actividade extractiva, incluindo na mineração artesanal, de pequena escala. Uma pesquisa que SEKELEKANI realizou nos meses de Julho e Agosto de 2017, nas províncias de Tete e Cabo Delgado, expõe os bloqueios de que a mulher tem sido vitima.

Burocracia impede registo de associações de mulheres

De forma particular, a pesquisa constatou os altos índices de analfabetismo entre as mulheres; as complexidades burocráticas para a legalização de associações de mulheres nas zonas rurais; e a sobrecarga do trabalho domestico, nomeadamente de prestação de cuidados aos filhos e aos mais velhos como algumas das causas mais comuns que excluem a mulher de beneficiar de oportunidades de trabalho ou de negócios em torno de empreendimentos extractivos.

Nas regiões centro e norte do país onde há maior ocorrência de empreendimentos de extração mineira de pequena e de grande escala, a mulher encontra maior espaço na mineração artesanal, nomeadamente em dois domínios: ou na confeção de alimentos para os homens que escavam à procura de pedras preciosas ou semipreciosas, ou na extracção de brita para a construção, negócio de rendimento baixo comparativamente à extração de ouro e de pedras preciosas, onde os homens predominam.

Maria Kussaia, agente paralegal (treinada com conhecimentos básicos de direito) na Província de Tete, disse durante a Conferencia da Sociedade Civil sobre Desenvolvimento Sustentável da Industria Extractiva – o Nkutano II- realizada em Agosto de 2017,na Província de Tete, que cerca de 20 mulheres que trabalham desde o ano de 1985 na Pedreira de Moatize, estão agora impedidas de continuar a executar as suas actividades, agora consideradas ilegais.

Maria Kussaia

Impossibilitadas de se deslocarem ao campo para a realização de actividades agrícolas, durante o conflito armado de 16 anos, este grupo de mulheres iniciou a exploração da mina de pedra em 1985. Segundo Kussaia, após a concessão da pedreira à empresa CETA Construções, o grupo de mulheres perdeu o direito de britar pedra, limitando-se agora a recolher a pedra que cai depois da empresa fazer explodir rochas com recurso a dinamite. Assim, a quantidade de pedra que as mulheres conseguem juntar já não é suficiente para que o negócio flua como acontecia antes.

Kussaia diz que faz tempo que está no processo de juntar documentação para o grupo se organizar em associação, mas torna-se muito complicado por causa da burocracia.

” Na zona de Macanga, também há muitas mulheres que estão há muitos anos a fazer o negócio de venda de pedras e não estão organizadas em qualquer associação. Já tentei várias vezes pedir audiência com o Presidente do Município para pedir autorização, mas não sou recebida”, desabafa Maria Kussaia.

A posição subalterna das mulheres nas zonas mineiras, como é o caso da Província de Tete explica-se, por um lado, pelo facto de a taxa de escolaridade da mulher ser muito baixa, o que as impede de encontrar emprego formal. O facto de a mulher assumir maior responsabilidade sobre o trabalho doméstico e cuidados da família (das crianças e dos mais velhos) também limita o tempo dela dedicar-se ao trabalho fora de casa.

Ali Chaucate, da Associação de Apoio e Assistência Jurídica às Comunidades (AAAJC), na Província de Tete, considera que o primeiro problema que afecta a mulher é a falta de acesso a recursos naturais de subsistência, como por exemplo, a lenha e a água potável para poder gerir o seu dia-a-dia. Em Tete, a maioria das comunidades beneficiava da água dos rios, cujos leitos, com a falta de chuva, secaram. Mas existe ainda o problema da poluição da água dos rios em consequência da mineração (T.Mario e I. Bila, 2015)

Chaucate diz que a regularização de associações de mulheres tem sido muito difícil porque as associações são irregulares e a respectiva Lei das associações não considerou a especificidade das zonas comunitárias rurais.

Albertina Manjolo

Já na província de Cabo Delgado SEKELEKANI conversou com Albertina Manjolo, membro da associação mineira “7 de Abril”. Albertina é viúva e teve que migrar de Maputo à procura de soluções para sustentar a família. Ela resume a sua estória da seguinte forma: “Depois de perder o meu marido tive que abandonar a cidade para olhar pela vida. Iniciei viagens de longo curso para a compra de cereais para vender nos mercados de Xipamanine e de Xiquelene”.

Mas ao longo do tempo o negócio não estava a ser rentável por várias razões e sobretudo por causa da instabilidade político-militar que fez com que não houvesse condições para deslocações do Centro para o Sul e vice-versa.

Foi nessa altura que Albertina instalou-se na Província de Cabo Delgado e recebeu convite de amigas para explorar ouro e integrar-se numa associação mineira. Para além de ser sócia está no processo de obtenção de DUAT para uma área para a prática da agricultura.

Água e lenha mais longe e mais escassos

Por seu lado, as mudanças climáticas condenam duplamente a mulher, pois obrigam-na deslocar-se para mais longe à procura de água e de lenha. Essa deslocação consome-lhe mais tempo em relação ao que despendia quando os rios e as fontes tinham água.

Igualmente, a circulação “caótica” de dinheiro em zonas onde ocorram projectos extractivos, nomeadamente quando as empresas pagam alguma indeminização por danos, tem também sido causa de desestabilização social, com impacto sobre a mulher: em Tete foram reportados casos em que, após receberem algum dinheiro de indeminização, alguns homens abandonam o lar, deixando a mulher e os filhos à sua sorte. Por vezes, eles vendem parte do património familiar, à revelia da mulher, que fica desamparada com filhos menores.

Algumas bases históricas das relações de género em Moçambique

Segundo o Estudo sobre Diferenciação Etnolingística em Moçambique, (Antropologia II, 2010), a socialização do povo tem muito a ver com as suas origens. O povo moçambicano é maioritariamente de origem Bantu e tem como principais grupos etnolinguísticos: Cheua, Chona e Tsongas.

Este estudo ajuda a perceber as divisões de trabalho entre homens e mulheres, bem como as relações de Género que hoje afectam de forma negativa a mulher, quando se fala do seu enquadramento e desenvolvimento social, político e económico em Moçambique.

Diz o mesmo estudo que a região a Sul do Zambeze por apresentar condições propícias para a domesticação de animais, sobretudo de gado bovino, aliado a infertilidade do solo, conferiu ao homem poder sobre a mulher, começando assim, a diferença no tratamento do Género.

Entretanto, a zona norte do Zambeze, a presença da mosca do sono (mosca Tsé-Tsé), impediu numa primeira fase, a prática da pecuária, sobretudo do gado bovino, privilegiando a prática da agricultura, actividade que maioritariamente praticada pelas mulheres, o que teria originado as comunidades matrilineares.

Assim, a prática da agricultura conferiu à mulher poderes sobre o homem. Os filhos do casal pertencem ao grupo de parentesco da mãe e só as mulheres é que transmitem o parentesco. Os bens e poderes são herdados por via materna. No casamento na sociedade matrilinear o homem fixa a sua residência junto da família da mulher, isto é, o casamento é matrilocal. Neste contexto, as funções políticas e jurídicas são desempenhadas pelo tio materno.

Por seu lado, as sociedades patrilineares desenvolveram-se no sul do Zambeze. Devido à prática da pastorícia, pelo homem, este adquiriu poderes sobre a mulher. O estatuto de filho pertence à família do homem. A herança dos bens e poderes é feita por via paterna, do pai para filho. O casal fixa a sua residência na casa do marido, ou por outra, o casamento é patrilocal.

Estas duas formas de organização ditam a maneira como a mulher é vista na sociedade. Mas quer na sociedade matrilinear, quer na patrilinear, a mulher não tem poder de decisão e nas duas sociedades ela apenas é responsável pelos afazeres domésticos, pela procriação e pela prestação de cuidados aos filhos e à família em geral.

Durante a Luta de Libertação Nacional emergiram as primeiras políticas de promoção da mulher moçambicana, que começou a despertar e a lutar pela igualdade de direitos em todos os domínios: político, social e económico. Mas é uma luta ainda longe da victória total.

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