O número de mulheres que participam activamente em processos políticos em Moçambique, incluindo em posições de tomada de decisão, tem vindo a crescer nos últimos 25 anos, quer na administração pública, quer em órgãos electivos e, mesmo, dentro de partidos políticos.
Contudo, é voz corrente que esse aumento percentual da representação política da mulher não tem sido acompanhado de aumento de “volume” e qualidade da voz da mulher, ainda vista como “tímida”. Em casos extremos, sobretudo no meio rural, a mulher ainda não pode votar livremente no candidato ou partido político da sua livre escolha, mas sim de acordo com a determinação do marido.
Uma luz no fundo do túnel
No rescaldo das últimas eleições autárquicas, decorridas em Outubro de 2018, SEKELEKANI foi recolher experiências de algumas mulheres que participaram no processo, incluindo na qualidade de “cabeças-de-lista”. O túnel está ainda escuro; mas já se vê luz, lá no fundo!
Nas últimas eleições autárquicas, ocorridas a 10 de Outubro de 2018, sete mulheres concorreram, como “cabeças-de-lista” para a governação de igual número de municípios ou vilas municipais, num total de 53 concorrentes. Seis destas candidatas foram eleitas nos Municípios de Mandlakazi, Metagunla, Chokwe, Massinga, Sussundega e Marromeu e uma perdeu para um adversário de sexo masculino. Na opinião de Alice Mbaze, Directora Executiva da Gender Links, este quadro deve ser considerado positivo. A Gender Links é organização de promoção de direitos das mulheres na África Austral, com sede em Joanesburgo. .
“Se fizermos uma análise desde o princípio (do processo de autarcização, em 1998) iremos notar que a cada cinco apenas mais uma mulher é que ocupa um cargo de liderança municipal. Começamos com 3, depois 4, no ano seguinte 5 e agora 6” concorrentes a presidente de Município”, explicou ela. Alice Banze considera que os partidos políticos desempenham um papel fundamental no que concerne à participação feminina nos pleitos eleitorais, devendo por isso aumentar o número de mulheres candidatas a postos de liderança dentro dos seus órgãos.
A percentagem de mulheres inclusas em listas eleitorais continua, com efeito, diminuta, mas com tendência para crescer. No caso da Renamo, por exemplo, este partido da oposição concorreu, para os 53 municípios, com 1.392 candidatos para as assembleias autárquicas. Destes foram eleitos 490 candidatos, dos quais 370 homens e 120 mulheres, o que correspondente a 75.5% e 24.5%, respectivamente. Porém, nenhuma mulher havia sido eleita como “cabeça-de-lista”, ou seja, na qualidade de potencial presidente de município.
Porém, a Presidente da Liga Feminina deste partido, Maria Inês Martins, considera o número de mulheres inclusas nas listas “um bom sinal”, por representar crescimento, em comparação com os escrutínios anteriores. Mas ela garante que nos próximos processos esta questão será acautelada.
A Declaração dos Chefes de Estado ou de Governo da Comunidade da África Austral (SADC), Sobre Género e Desenvolvimento, (Agosto de 2008) preconiza que “os Estados Partes deverão esforçar-se para que, até 2015, pelo menos 50% dos cargos decisórios nos sectores público e privado sejam ocupados por mulheres”. No contexto político de Moçambique, onde a ascensão a cargos públicos deriva, essencialmente, da posição dos partidos políticos dentro do aparelho do Estado, as políticas de género destas forças políticas tornam-se determinantes para a participação da mulher na vida pública.
A Renamo considera, contudo, que o importante não é as metas estabelecidas a nível da região, mas sim a capacidade que as mulheres possam demonstrar. “A mulher não precisa de percentagem dentro do partido; se ela for capaz pode sim, ocupar qualquer cargo. Não vamos limitar a mulher, atribuindo-lhe percentagens, pois os homens podem não ter capacidade para ocupar a outra percentagem ou para desempenhar tais funções”, argumenta Maria Inês. A mesma opinião é também defendida por Circle Langa docente universitário, para quem é preciso que a discussão não seja em termos numéricos mas sim sobre a qualidade da participação. Circle aconselha as mulheres a trabalharem de forma colectiva e não individual, para o alcance de objectivos comuns.
Diferentemente do que aconteceu no Partido Renamo, no Movimento Democrático de Moçambique (MDM) houve mulheres “cabeças-de-lista”, isto é, na posição de potenciais presidentes de municípios. Assim, de um total de 10 pré-candidatas, quatro foram apuradas. Destas, duas concorreram para os municípios de Xai-Xai e Bilene, na província de Gaza, uma em Vilanculos e a última em Metangula, nas Províncias de Inhambane Niassa, respectivamente. Contudo, nenhuma saiu vitoriosa.
Já para a Assembleia Municipal da cidade de Maputo o MDM concorreu com 38 mulheres para das quais 27 foram eleitas. Este número corresponde a um crescimento significativo quando comparado às oito mulheres da legislatura anterior, num universo de 27 membros.
Outro crescimento assinado pelo MDM é a representação da mulher na Comissão Política do partido, o órgão mais importante entre os congressos. Assim, na sua presente composição, a Comissão Política do MDM integra quatro mulheres, contra uma única, antes do último Congresso, em Dezembro de 2017.
Enfrentando desprezo e insultos machistas
Se a Renamo não teve qualquer mulher na posição de cabeça-de-lista e o MDM não conseguiu fazer eleger qualquer das suas quatro cabeças-de-lista, já a Frelimo fez eleger seis. Maria Helena Langa, do Município de Madlakazi, é uma delas. Ela já fez dois mandatos neste cargo e foi agora reeleita para o terceiro. Com a sua experiência, ela refere que o principal segredo para sua (re) eleição tem sido a humildade e muito empenho na defesa dos direitos dos munícipes: homens e mulheres.
Segundo Langa, o medo é o principal obstáculo para a participação da mulher. Por isso, afirma ela, as mulheres já com acesso a posições de liderança devem encorajar as outras a perder o medo de concorrer para cargos públicos.
Por seu lado, Lídia Camela, Presidente do Município de Chokwé, diz que o caminho para a sua eleição foi espinhoso, visto que o eleitorado daquela região do Sul de Moçambique é considerado “machista”.
“Por ser mulher, não foi um processo fácil. Então a estratégia que usei consistiu em não deixar de lado os homens durante o processo eleitoral. Para que eles não se sentissem excluídos. Dessa maneira fi-los perceber que não estávamos em guerra; que poderíamos trabalhar juntos para o bem do Município”, diz Lídia Camela
Já Ana Jordão, “cabeça-de-lista” para a Assembleia Municipal de Massinga, pelo MDM na Província de Inhambane, teve uma experiência bem diferente, Diz que passou por momentos muito difíceis, durante a campanha eleitoral, em que foi alvo de insultos e de outras manifestações de desprezo por ser mulher. “ Ouvi coisas como ‘aquela não é nada’; ‘aquela ‘nem tem marido, ou ‘aquele homem não é marido dela’. Tudo para desmoraliza-la, atacando a sua autoestima. “Mas não desisti”, conta, acrescentando: “até queriam saber aonde trabalho, quanto eu ganhava lá onde trabalho, para chegar a ser cabeça-de-lista”
“Poder não se entrega “de bandeja” Esta é uma expressão muito corrente em Moçambique, para significar que as vitórias não são dádivas, mas sim resultado de luta. A expressão é aqui usada para significar que as mulheres apenas irão alcançar o poder se lutarem por ele, em vez de esperar que os homens lho “ofereçam” voluntariamente.
Nessa ordem de ideias, Maria Inês, deputada da Renamo considera que a principal luta a ser travada é a permanência da mulher na escola, pois não basta apenas a quantidade das mulheres no parlamento: é preciso que a sua “voz” e a sua prestação tenham qualidade e possam influenciar outras mulheres.
Maria Inês vai mais longe, dizendo que se deve deixar para trás a alegação de que “os homens criam barreiras” à participação política da mulher: pelo contrário, a mulher deve impor-se, em busca de seu espaço e reconhecimento.
Já Madelana Lucas, membro do MDM, tem um posicionamento diferente: ela ainda vê muita resistência dos homens em aceitar a mulher como igualmente capaz. “O processo vai levar o seu tempo; ainda é difícil para os homens partilharem o mesmo espaço connosco; esta é a luta que estamos a travar, na perspetiva de conquistar o nosso espaço. Porque os homens não nos vão ceder voluntariamente… isso não será possível”, afirma Lucas.
Estereótipos da comunicação social
Os “media” são também chamados a intervir com vista a incentivar a participação da mulher em processos eleitorais.
Segundo Sérgio Vilanculos, da Plataforma Votar Moçambique, uma coligação cívica de observação de eleições, os “Media” ainda só reproduzem os papéis sociais tradicionais da mulher, deixando de fora a sua participação política. “É comum, ao tratar-se de uma mulher governante, comentar-se mais a respeito do seu penteado ou das suas roupas, ao invés do seu discurso”, diz Vilanculos.
Por seu lado, Catarina Chooly, do Media Femme, considera que os “Media” devam conferir maior visibilidade a mulheres que se candidatem a cargos electivos, ao invés de as marginalizar ou, mesmo, ridicularizar. Chooly deu o exemplo de Filomena Mutoropa, que, na qualidade de cabeça-de-lista do partido PAHUMO, para a Presidência do Município de Nampula, foi ridicularizada por alguma imprensa, como uma mulher muito emotiva. Catarina Chooly mencionou ainda um caso de tentativa de denegrir e atacar o bom nome da governadora da Província de Gaza, com “erotização” da sua imagem, nas redes sociais.
Contudo, numa perspectiva geral, Sérgio Vilanculos considera que a participação da mulher nas últimas “autárquicas” foi mais visível do que no passado. Vilanculo nota, contudo, um aspecto particular de acesso da mulher às urnas: denuncia casos em que foi ignorado o princípio de dar prioridade a mulheres grávidas ou idosas, nas filas para a votação: são imposições legais, que reflectem a sensibilidade de género nas políticas e legislação sobre eleições. O seu fim é exactamente, retirar o máximo de potenciais barreiras à participação da mulher em eleições, incluindo a sua própria candidatura ou a livre escolha dos candidatos ou candidatas da sua preferência.