O acesso à informação e a diferentes dispositivos usados para a prevenção de gravidez indesejada constituem ainda obstáculos que impedem muitas raparigas e mulheres de garantir uma gestão adequada da sua vida sexual e reprodutiva no país. Este facto tem resultado em graves consequências sobre o futuro das raparigas, que continuam a engravidar ainda em tenra idade, muitas vezes interrompendo a escola e comprometendo, assim, o seu futuro.
Com a excepção do preservativo, muito popularizado nos últimos 15 anos, em resposta à pandemia do HIV e SIDA, muitas mulheres e raparigas continuam com receios de usar outros métodos modernos de contracepção, como o DIU, a pílula, o injectável, o implante ou outros métodos de prevenção de gravidez indesejada.
De acordo com dados do Inquérito Demográfico e Saúde (IDS) de 2011 existe notória assimetria de conhecimento entre as zonas urbanas e as zonas rurais, a respeito desta matéria. Assim, os residentes das áreas urbanas conhecem significativamente melhor os diferentes métodos contraceptivos modernos, que os residentes das áreas rurais: enquanto nas zonas urbanas 94 % de mulheres e 95% de homens já ouviram falar de planeamento familiar, nas zonas rurais estas percentagens descem para 52 % e 57 % respectivamente.
Raparigas com pouco acesso à informação
Recentemente, SEKELEKANI realizou uma mini pesquisa, direccionada a raparigas de 14 a 18 anos de idade, com o objectivo de apurar a qualidade de informação que este grupo social possui sobre métodos contraceptivos.
A pesquisa escalou quatro escolas, nomeadamente: Escolas Secundárias Josina Machel, Francisco Manyaga, Estrela Vermelha e Eduardo Mondlane, todas da zona urbana de Maputo. A escolha da cidade de Maputo baseou-se na crença de que se trata de uma região com mais fluxo e circulação de informação do que o resto do país
Foram realizados 90 inquéritos aleatórios com 17 questões abertas e fechadas e sem identidade das inquiridas.
Das análises feitas constatou-se que 93,3% das raparigas inquiridas têm conhecimento razoável sobre a existência de algum método de contracepção, e as restantes 6,7% afirmam nunca sequer terem ouvido falar do assunto. Contudo, mesmo a informação que as raparigas afirmam possuir demonstra ser precária e dividida entre medos, incertezas e mitos.
Algumas das respostas obtidas através do inquérito mostram claramente essa zona de penumbra, entre o desconhecimento e posse de informação pouco rigorosa.
Entre as respostas captadas durante o inquérito podem ser destacadas as seguintes:
“Só tenho conhecimento acerca do preservativo e um pouco acerca de pílulas; mas não sei quase nada acerca de outros métodos de prevenção”; “sei por exemplo que o uso de pílulas pode, no futuro, causar problemas no útero e afectar a fertilidade”; “já ouvi dizer que o uso de pílulas engorda a mulher, e ela deixa de ser atraente”; ou “a pílula ajuda a desenvolver o corpo e previne a gravidez”. Ou ainda: “algumas pessoas dizem que o uso de pílula não causa problemas, outras dizem que prejudica, que ela impede a mulher de ter filhos”.
Constam da lista dos métodos mais conhecidos, o uso do preservativo, de pílulas, do implante ou do DIU. O implante é uma cápsula, que é colocada debaixo da pele da mulher, geralmente na parte interna do braço; enquanto o DIU é um dispositivo intra-uterino, que é inserido na cavidade uterina.
Existem no mercado diferentes opções femininas de planeamento familiar, desde injectáveis (com duração de 1 a 3 meses), implantes (com mínimo de 3 anos de duração) DIU (10 anos), adesivos e pílulas. Porém ainda não existem nas unidades sanitárias testes para averiguar qual deles é indicado para cada mulher isoladamente.
Principais fontes informação
Muitas das raparigas inquiridas afirmam ter obtido estas informações em palestras proferidas em escolas ou em programas de televisão ou junto da família e amigos.
Um factor preponderante que pode estar relacionado com o fraco nível de conhecimento é a aparente fraca procura de informação junto de profissionais qualificados: neste âmbito, apenas 21,1% das raparigas inquiridas afirmam ter alguma vez visitado uma unidade sanitária, para tratar de questões relacionadas com saúde sexual e reprodutiva.
Uma das fontes de informação sobre saúde sexual reprodutiva e prevenção do HIV, concebida para jovens, é o programa SMS BIZ. Trata-se de uma plataforma digital que providencia informação actualizada e aconselhamento personalizado a adolescentes e jovens sobre esta matéria.
Dados estatísticos de 2017 indicam que a plataforma tem sido consultada com frequência: nesse ano, ela recebeu 9815 mensagens de jovens e adolescentes, apresentando questões relacionadas com planeamento familiar.
Alice Chambule é uma das conselheiras do programa SMS BIZ. Da sua experiência de lidar com raparigas, no âmbito do programa SMS BIZ, Alice Chambule afirma que, entre as perguntas mais frequentes deste grupo etário, podem destacar-se as seguintes:
“O implante é seguro? Ele não se desloca no corpo da utente? Diz-se que o uso da pílula reduz a disposição sexual do homem- é verdade? Qual destes métodos é o mais seguro?”.
Segundo Ana Chambule, por vezes têm sido colocadas à plataforma questões exigindo o conhecimento de especialistas na área da saúde: em tais casos, os oficiais da plataforma aconselham o usuário a consultar uma unidade sanitária.
Receios e efeitos colaterais
Quando questionadas sobre a possibilidade de usar outros métodos contraceptivos, para além do preservativo, grande parte das raparigas responderam que se consideram ainda muito novas, uma vez que, na sua opinião, outros métodos exigem maior robustez física.
Um outro grupo, porém pequeno, respondeu que já usou alguma vez outro método de prevenção de gravidez, mas interrompeu-o devido a efeitos colaterais. Neste grupo (13.3%) afirma usar outros métodos, entre estes, a pílula e o implante. Há ainda algumas raparigas que receiam que o recurso a determinados métodos anticonceptivo as pode engordar e, assim, tirar-lhes beleza.
Foi interessante ouvir de algumas das raparigas inquiridas que, ao contrário dos anos anteriores, actualmente tem decrescido o uso do preservativo entre os jovens, o que as coloca em risco de adquirir infecções sexualmente transmissíveis.
A respeito de efeitos colaterais de alguns métodos contraceptivos, Fernanda Jorge, da Associação Moçambicana para o Desenvolvimento da Família (AMODEFA) explica que os dispositivos de prevenção contêm hormonas que, ao entrarem em contacto com as hormonas naturais da mulher, provocam algum “choque”, do qual podem resultar alguns efeitos secundários, como engordar ou emagrecer, dependendo de cada organismo. Contudo, há casos em que não há qualquer alteração do peso da usuária, acrescenta a especialista.
Em determinados casos, ainda segundo a especialista, alguns contraceptivos podem provocar efeitos como: sangramentos constantes, ausência da menstruação, aumento de apetite, enjoo ou náuseas, de acordo com o organismo da usuária. Os casos de enjoo e náuseas serão muito frequentes nos métodos de contracepção oral (pílulas), o que pode ser controlado tomando a pílula à noite, pouco antes de dormir.
O dispositivo Intra-uterino, DIU, é contra-indicado para raparigas que não tenham ainda engravidado. “O Diu é um aparelho cujo uso tem uma validade de 10 anos, mas não é recomendável para aquela menina que ainda não teve a primeira gravidez ou para a mulher com um histórico de infecções como quistos e miomas”. Um dos efeitos secundários do DIU é a possibilidade de provocar alteração ao fluxo menstrual, tornando os seus intervalos mais longos, explica Fernanda Jorge.
Contudo, convém sublinhar que, para além de prevenir a gravidez indesejada e para além de efeitos secundários, os métodos de contracepção tem inúmeras vantagens. A pílula, por exemplo, apesar de ser contra-indicada para quem sofra de tensão alta e de diabetes, ela ajuda no tratamento de quistos e hemorragias. Ela tem também relevância para quem tem dificuldade de engravidar ou que sofra de ausência do período menstrual, entre outros problemas.
Vida sexual das raparigas inicia muito cedo
Na sua mini pesquisa, SEKELEKANI procurou informação sobre a idade média em que a maioria das inquiridas terá iniciado a sua vida sexual.
Das respostas resultou que cerca de 50% das raparigas inicia a vida sexual antes dos 17 anos de idade. Corroborando esta constatação, dados compilados pela AMODEFA registam meninas de até 11 anos, a procurarem informação sobre métodos contraceptivos, uma clara indicação de início de vida sexual muito mais cedo do que muitos pais imaginam.
Dessa percentagem, pelo menos 14,6% afirmam ter tomado pílula no dia seguinte a uma relação sexual (contracepção de emergência, mais conhecida sob a designação de “pílula do dia seguinte”). É um método contraceptivo que pode ser usado após a relação sexual, sendo capaz de inibir a gravidez da mulher que tiver mantido relações sexuais sem as devidas precauções anticoncepcionais. Por outro lado, cerca de e 4,5% das raparigas inquiridas afirma ter feito aborto.
Para evitar o aborto, que resulta de gravidez indesejada, Fernanda Jorge aconselha que o uso do preservativo seja combinado com outros métodos de prevenção, uma vez que o preservativo quando usado numa relação sexual agressiva ou de forma inadequada pode romper.
Tal como a pesquisa aferiu junto da AMODEFA, o implante e a injecção são os métodos mais usados por adolescentes, por serem de longa duração, em detrimento da pílula cujo uso é diário, oferecendo maior risco de esquecimento.
“A sociedade interpreta-nos mal quando incentivamos as meninas a usar estes métodos; mas é mais seguro porque muitas destas meninas já não são virgens. Assim, pelo menos com esses mecanismos elas evitam gravidez indesejada e consequente aborto, que na maioria das vezes é inseguro”, sublinha a fonte.