O Centro de Estudos e Pesquisa de Comunicação SEKELEKANI lançou na Sexta-Feira, 20 de Abril, cinco novas publicações, todas abordando assuntos atinentes à monitoria da indústria extractiva em Moçambique.
Trata-se de quatro livros e de um vídeo, nomeadamente: um Guia Prático de Monitoria da Indústria Extractiva para Organizações da Sociedade Civil e Comunidades Locais; um Manual Prático do Repórter sobre Petróleo e Gás; uma coletânea de artigos de pesquisa sobre o impacto da indústria extractiva sobre a mulher e ainda sobre práticas tradicionais nocivas ao são desenvolvimento da rapariga, denominada “ Ligações de Género”.
A quarta publicação é uma coletânea de vinte instrumentos de governação de recursos minerais, incluindo estratégias, politicas, leis e regulamentos. Trata-se de uma compilação exaustiva e inédita, que junta num único livro a principal legislação em vigor em Moçambique sobre a governação de recursos minerais.
Por seu lado, o vídeo documenta impactos da exploração do rubi sobre as populações da região de Namanhumbir, no distrito de Montepuez, em Cabo Delgado.
Apresentação As publicações que agora lançamos – quatro em formato gráfico e um vídeo – resumem o trabalho de pesquisa realizado pelos pesquisadores da nossa instituição ao longo do ano de 2017. O conteúdo essencial de todos centra-se num assunto cada vez mais na ordem do dia nas políticas de desenvolvimento socioeconómico de Moçambique: a indústria extrativa! Este ano lançamos cinco publicações, nomeadamente: uma coletânea inédita e exaustiva contendo os principais instrumentos de governação de recursos minerais (políticas, estratégicas e leis); um Guia Prático de Monitoria da Indústria Extractiva para Organizações da Sociedade Civil e Comunidades Locais; um Manual Prático do Repórter sobre Petróleo e Gás; e uma nova iniciativa editorial sobre a mulher e processos de desenvolvimento, denominada “ Ligações de Género”. A preparação e lançamento destes documentos realizam a missão estatutária do SEKELEKANI, de “fortalecer a base do conhecimento público sobre processos de desenvolvimento económico e social de Moçambique, bem como as suas implicações, através da disponibilização de informação de qualidade…”. É nossa expectativa que estas publicações sirvam de documentos de referência para o grande público, em particular para Organizações da Sociedade Civil, Organizações Comunitárias de Base, Jornalistas, Pesquisadores, Legisladores e todos quantos se interessem em seguir atentamente o desenvolvimento da indústria extractiva em Moçambique, bem como dos seus impactos económicos, sociais e ambientais. Bem-haja a todos! Prof. Doutor Jamisse Uilson Taimo
Presidente do Conselho Consultivo do SEKELEKANI
Conteúdo das publicações
No acto de apresentação das publicações, o Director Executivo do SEKELEKANI, Tomás Vieira Mário, destacou a relevância destas, enquanto documentos de referência para o trabalho de organizações da sociedade civil, incluindo ao nível comunitário; de jornalistas e de pesquisadores, sobre uma área nova e complexa, como é a indústria extractiva.
O manual sobre monitoria da indústria extractiva é uma publicação didática, que explica em termos simplificados as principais questões críticas a serem tidas em consideração na fiscalização de empreendimentos extractivos por parte de organizações da sociedade civil e de comunidades locais. O manual explica desde o ciclo de projectos extractivos; o perfil dos principais megaprojectos extractivos activos em Moçambique; benefícios potenciais e reais para a economia nacional e local; bem como os sistemas e instituições de participação comunitária, tais como os Conselhos Consultivos e organizações comunitárias de base (OCB).Nessa medida, o manual pode ainda ser útil para o trabalho de fiscalização de parlamentares e de membros de outros órgãos eleitos de nível sub-nacional.
Por seu lado, o Guia Prático do Repórter introduz o jornalista ao complexo universo das indústrias de petróleo e gás, descrevendo o roteiro do respectivo sistema e indicando linhas de abertura e de entrada para pesquisa jornalística. “O desenvolvimento e expansão da indústria extractiva em Moçambique, nomeadamente do subsector do gás, recomendam que os jornalistas se especializem continuamente, de modo a investigar e escrever com maior segurança e rigor”, referiu o Director Executivo do SEKELEKANI.
“Ligações de Género” é um nova iniciativa editorial do SEKELEKANI, de periodicidade anual, que compila os artigos mais significativos produzidos e divulgados ao longo do ano por pesquisadores da organização, sobre relações de género em torno das seguintes temáticas: indústria Extractiva; mudanças climáticas e direitos sexuais e reprodutivos da rapariga.
Esta primeira edição compila artigos das pesquisadoras Palmira Velasco e Célia Sitoe. Os temas abordados vão desde a pouca participação da mulher em iniciativas produtivas na indústria extractiva, até ao impacto de eventos extremos (como seca e tempestades) sobre ela, bem como práticas tradicionais violadoras de direitos humanos das raparigas. A publicação destaca a informação relativa à mulher como actriz importante em todos os processos e sectores de desenvolvimento, independentemente do seu estatuto e da discriminação de que ela ainda sofre.
Já o documentário sobre os impactos sociais da extracção do Rubi em Namanhumbir expõe a situação das comunidades locais, nas várias vertentes, onde se constata que estas vivem ainda em situação de extrema pobreza, com violações de seus direitos humanos, incluindo a usurpação de suas machambas, sem qualquer compensação.
“Quem toma conhecimento todos os anos de notícias relatando sobre os milhões de dólares que são arrecadados em leilões de Rubi de Montepuez no estrangeiro e vai ao local de onde esses milhões são extraídos não encontra relação entre essa riqueza e o dia-a-dia da comunidade daquela zona”, destacou o Director Executivo do SEKELEKANI.
Organizações parceiras enaltecem as novas publicações
No acto do lançamento das publicações participaram representantes de diferentes organizações da sociedade civil (OSCs), além do público em geral. Entre as OSCs presentes, podem ser destacadas as seguintes: WLSA, (Mulher e Lei na Africa Austral); Fórum Mulher, Hikone, Coalizão da Juventude, Gender Links, KUWUKA JDA e Conselho Cristão de Moçambique. A seguir apresenta-se um resumo dos principais comentários feitos na ocasião em torno das publicações lancadas.
Experiências dolorosas.
Palmira Velasco, pesquisadora do SEKELEKANI (Programa de Recursos Naturais, Ambiente e Género), procedeu à apresentação geral desta publicação, tendo referido que a temática de Gén
ero, “longe de ser um assunto transversal e de ‘moda’, é um imperativo para a sociedade”.
A publicação recebeu comentários de representantes de cinco OSCs, nomeadamente: Teresinha da Silva (WLSA) Rosete Manusse da (Hikone), César Neves, (Gender Links) Ndzira de Deus (Fórum Mulher) e António Jorge (Coalizão da Juventude).
A Directora Executiva da WLSA, Teresinha da Silva, qualificou os depoimentos de mulheres e raparigas contidos na coletânea como “ muito dolorosos”, sobretudo o que as víctimas contam sobre suas histórias de vida.
Teresinha da Silva recomendou ao SEKELEKANI no sentido de “pesquisar a fundo” sobre os porquês de tanto sofrimento a que as raparigas e mulheres estão sempre sujeitas. É necessário que se façam pesquisas qualitativas e quantitativas sobre rapazes e raparigas, nas zonas rurais e urbanas, aprofundando e questionando certas práticas culturais negativas, pois elas podem mudar. Por exemplo, há questões de sexualidade nas escolas que devem ser levantadas e debatidas”, acrescentou.
Ao debruçar-se especificamente sobre a inserção da mulher na indústria extractiva, a pesquisadora referiu que “embora cada ministério tenha Políticas de Género, incluindo o Ministério dos Recursos Minerais e Energia, estas não se fazem sentir no trabalho das instituições, em termos de inclusão”.
Teresinha da Silva sugeriu que o SEKELEKANI mencionasse, sempre, nas suas pesquisas artigos relevantes contidos na Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos bem como nos P
rotocolos existentes, para ilustrar cada direito violado.
Por seu lado, Nzira de Deus, Directora Executiva do Fórum Mulher, considerou o livro “um manual muito rico que traz problemas e algumas soluções na área de género”.
Ela destacou que, ”estranhamente”, no meio rural, é a própria mulher que aparece a promover os ritos de iniciação, mesmo quando nocivos ao desenvolvimento são da rapariga. Para contrariar esta tendência será necessário educar a mulher e a rapariga, mostrando-lhes as consequências de práticas tradicionais violadoras de direitos humanos da rapariga e que prejudicam o seu desenvolvimento, referiu Nzira de Deus.
ʺEste livro será um instrumento de lobby e advocacia para exigir maior respeito pelos direitos humanos da mulher”, disse, acrescentando que a publicação, além de levantar problemas, também destaca algumas soluções. Por exemplo, tem um artigo que fala de raparigas que são mentoras de outras que, tendo desistido de estudar devido a casamentos prematuros, são resgatadas e levadas de volta à escola”, diz Nzira de Deus.
A representante do Fórum Mulher saudou SEKELEKANI por ter mulheres a fazerem pesquisas sobre assuntos de género, facto que facilita o contacto com outras mulheres, geralmente desconfortadas para falar de suas experiências de vida a pesquisadores (homens).
Por seu lado, António Jorge, da Coalizão da Juventude, sugeriu que se produzissem e publicassem mais historias contando exemplos positivos, de vida de mulheres e raparigas, para equilibrar com a narrativa da mulher como vitima passiva. O representante da Coalização sugeriu ainda que SEKELEKANI procurasse, tanto quanto possível, fazer seguimento de denúncias de que tenha conhecimento, no decurso de suas pesquisas, de violação de direitos humanos das raparigas, ajudando-as a encaminha-las as instituições competentes do Estado.
Vergonhosa exploração de homem pelo homem
Após a visualização colectiva do vídeo sobre impactos sociais da extração do Rubi sobre as populações de Namanhumbir, alguns participantes fizeram os seus comentários, na generalidade enaltecendo a denúncia de violação de direitos humanos que o documentário apresenta.
Benjamim Mabochana, da KUWUKA – JDA, destacou que a falta de comunicação a todos os níveis, entre a empresa Montepuez Rubi Mining, Governo Distrital e as comunidades, ressalta à primeira vista.
Segundo Mabochana, o vídeo confirma os depoimentos apresentados por membros das comunidades de Namanhumbir durante o II Nkutano (Conferência da Sociedade Civil sobre Gesto de Recursos Naturais) realizado em Agosto do ano passado, na Província de Tete, em que foram denunciados actos abusivos de agentes de diferentes ramos da Policia colocados em Namanhumbir, incluindo a invasão arbitrário de domicílio e extorsão.
Mabochana faz uma ligação entre a pobreza em que as comunidades de Namanhumbir vivem e a pobreza a que a mulher é duplamente condenada pelo facto de as indemnizações e compensações serem entregues aos homens, que as despendem marginalizando as mulheres.
ʺEspero que exista um trabalho muito aturado em relação ao reassentamento e compensações futuras às comunidades de Namanhumbir, em que organizações da sociedade civil e o próprio governo estejam firmes na monitoria e acompanhamento desses processos., de modo a serem evitadas as falhas cometidas em processos similares, no passadoʺ, concluiu Benjamim Mabochana.
Arlindo Muduma do Conselho Cristão de Moçambique (CCM), que também comentou sobre o vídeo, exprimiu profundo espanto pelas imagens de pobreza extrema exibidas, dizendo que, na qualidade de homem de fé, não lhe parece que tal realidade seja de Moçambique. Ele questionou sobre o lugar dos valores morais da sociedade, pois o vídeo não mostra que ainda haja o sentimento de amor ao próximo: “isto mostra clara exploração do homem pelo homem”, sublinhou Muduma.
ʺComo é que práticas de exploração do homem pelo homem continuam a persistir em pleno Século XXI? Tanto dinheiro arrecadado em leilões internacionais e a comunidade donde sai essa riqueza é deixada à sua sorte?!ʺ, questionou Muduma.
Na ocasião, o representante do CCM anunciou que, a partir dos próximos tempos, pastores e líderes religiosos passarão a encontrar-se, mensalmente, para reflectirem sobre vários assuntos que apoquentam a sociedade moçambicana, incluindo o que se passa com as comunidades onde decorrem projectos de mineração.
De acordo com Muduma esses encontros visam a produção de posições de instituições religiosas sobre problemas sociais candentes, em forma de Cartas Pastorais, em que as igrejas irão pronunciar-se em público e através da Media e de redes sociais, a respeito de diferentes situações de injustiça infringidas sobre as comunidades locais.
ʺEsta é uma forma de emitirmos a nossa opinião como parte da sociedade civil, pois não podemos continuar no silêncioʺ disse Arlindo Muduma.
Coletânea de Legislação sobre Recursos Minerais
Ao referir-se à colectânea de Políticas, Estratégias e Legislação sobre Recursos Minerais, Terezinha da Silva saudou a iniciativa, referindo que o livro vai ser de grande ajuda a instituições, OSCs pesquisadores e estudantes, que passam a ter, num só volume, uma importante seleção dos mais importantes instrumentos de governação da indústria mineira.
SEKELEKANI mostra evidências
No encerramento do evento, Selcia Lumbela, em representação da OXFAM, fez notar que os trabalhos apresentados pelo SEKELEKANI são uma demonstração clara de advocacia baseada em evidências de pesquisa, captadas junto das comunidades e refletindo realidades locais.
Segundo a oradora, nos últimos tempos, os parceiros de cooperação têm colocado muita ênfase sobre novas abordagens em advocacia, preconizando, exactamente, a advocacia baseada em evidências de pesquisa: a produção de evidências pode pressionar melhor a quem toma decisões, porque elas “falam” por si”, sublinhou.
Nessa perspectiva, continuou ela, já “não basta escrever artigos, nem estar na rua a fazer marchas: é importante mostrar evidências. SEKELEKANI mostra evidências que podem contribuir e ajudar a pessoa que vai tomar decisões”.
Lumbela salientou ainda que, ao realizar este género de pesquisa, a organização toma a dianteira, apresentando matéria útil ao trabalho de outras organizações, que a podem utilizar como informação de base.
ʺUm dos aspectos positivos que SEKELEKANI tem feito e muito bem é estar em contacto directo com as comunidades locais. A organização não senta no escritório para produzir relatórios: sai de Maputo e vai conversar com as comunidades e dá-lhes vozʺ, comentou a representante da OXFAM.
Selcia Lumbela desafiou SEKELEKANI para que no futuro, para além de documentar realidades locais através de diferentes meios, trazer para Maputo vítimas das injustiças reportadas, a fim de contarem, na primeira pessoa, as suas estórias.
A OXFAM é uma das principais parceiras de financiamento do SEKELEKANI.