Recursos Naturais e Indústria Extractiva

Urge humanizar exploração de recursos naturais em Moçambique

Ecos do II Nkutano, Tete

A Plataforma das Organizações da Sociedade Civil sobre Recursos Naturais e Indústria Extrativa, composta por perto de quarenta organizações, definiu a realização de uma série de acções, visando contribuir para que a exploração de recursos minerais em Moçambique ocorra com observância dos direitos humanos das comunidades abrangidas.

Este conjunto de acções, destinadas a tornar a exploração de recursos naturais, mais socialmente justa, com foco para as comunidades locais, foram decididas no culminar de dois dias de debates, no quadro do Segundo Forum Nacional de Advocacia sobre Recursos Minerais e Desenvolvimento – II Nkutano – realizado na Cidade de Tete, de 2 a 5 de Agosto corrente.

Os debates ocorridos foram baseados em trabalhos de pesquisa, em testemunhos de representantes de autoridades comunitárias ou tradicionais, de membros de comunidades vivendo em regiões com projectos extractivos, bem como de membros da Assembleia Provincial de Tete e representantes do Governo a diferentes níveis.

Os debates ocorreram em torno de quatro temas centrais pré-definidos, a saber: (a) Reassentamentos, (b) Benefícios das Comunidades; (c) Mulher e Mineração; e (d) Impactos sociais e ambientais da Mineração.

Comunidades locais como accionistas das empresas extractivas

Entre as decisões tomadas no final do Fórum, destacam-se as seguintes:

  • Propor ao governo a aprovação de um instrumento legal determinando que as comunidades locais tornam-se accionistas das empresas que exploram recursos minerais na sua região. Nessa qualidade, as comunidades asseguram um mecanismo seguro e duradoiro, que lhes permita beneficiar das receitas dos empreendimentos extractivos, garantindo igualmente o seu acesso a gerações vindouras.
  • Promover um debate e revisão dos instrumentos que regulam a alocação e formas de gestão transparente da percentagem de 2.75% das receitas colectadas pelo Estado junto das empresas e destinada por lei às comunidades locais;
  • Submeter ao governo uma proposta de regulamentação da justa indeminização às comunidades afectadas por iniciativas extractivas, tal como previsto na Lei de Minas;
  • Reforçar as ações de advocacia em defesa dos direitos humanos das comunidades vivendo em aldeias de reassentamento, visando garantir-lhes níveis de vida digna;
  • Advogar para que a responsabilidade social corporativa deixe de ser facultativa, tornando-se obrigatória, a fim de que as empresas possam contribuir mais sistematicamente na minimização dos impactos negativos das suas actividades junto das comunidades afectadas.

Humanizar a exploração dos Recursos Minerais em Moçambique

O Nkutano (reunião, na Língua Emakwa) é um fórum nacional de advocacia, focado na reflexão sobre o desenvolvimento da indústria extractiva e o seu impacto na qualidade de vida dos moçambicanos, e constitui uma oportunidade para que sejam ouvidas as vozes dos/as cidadãos/as , partilhando experiências e lições; bem propostas de estratégias coordenadas, visando uma exploração de recursos minerais promotora de um desenvolvimento sustentável e inclusivo de Moçambique.

Isaque Sampanha, residente no Bairro de Bagamoio em Moatize

Este Segundo Fórum Nacional de Advocacia sobre Recursos Minerais e Desenvolvimento teve lugar pouco depois de terem circulado imagens revelando actos de brutais torturas a cidadãos envolvidos em actividades de   garimpo ilegal, nas minas de rubi, da localidade de Namanhumbir, distrito de Montepuez, na mesma altura em um jovem era alvejado mortalmente por agentes da Policia da Republica de Moçambique (PRM) na província de Tete. O jovem foi baleado quando participava numa accão de protesto contra vedações da mineradora Vale Moçambique, que bloqueiam o acesso dos camponeses a locais de pastagem e de corte de lenha. Estes factos deram eco ao lema do evento: “Por uma exploração humanizada dos Recursos Minerais em Moçambique”.

“Quando falamos de números esquecemos as faces” – Bispo Dinis Matsolo

Falando na sessão solene de abertura do Fórum, na qualidade de coordenador do Pelouro da Governação Corporativa, do Fórum Nacional do Mecanismo Africano de Revisão de Pares (MARP), o Bispo D. Dinis Matsolo enfatizou a necessidade da exploração de recursos naturais estar focalizada sobre o Homem, e não sobre o dinheiro, respeitando os direitos humanos e o meio ambiente, visando a sustentabilidade da natureza.

Bispo Dinis Matsolo

Na sua intervenção, o Bispo Matsolo referiu que quando falta humanismo em qualquer empreendimento, por melhor que seja a acção, esta perde valor, uma vez que tudo quanto existe na natureza visa servir o próprio homem. Por isso a exploração de recursos naturais não se deve confundir com exploração de pessoas, sublinhou o orador.

Matsolo exprimiu profunda preocupação face a persistentes relatos de violação de direitos humanos que se registam em diferentes regiões do país onde são implementados empreendimentos extractivos, e disse não perceber a razão por que, “quando falamos de dinheiro esquecemos as pessoas e quando falamos de números, esquecemos as faces”.

Tomás Vieira Mário

Por seu lado, o Director Executivo do SEKELEKANI, Tomás Vieira Mário, falando em representação do grupo de coordenação da Plataforma, referiu que o encontro era suscitado por uma questão de interesse nacional estratégico, devido às questões de natureza social, politica, económica e cultural, geradas pela exploração de recursos mineiros.

“As imagens recentemente publicadas, de graves violações de direitos humanos em Namanhumbir, demonstram que este processo pode ser complicado. Por isso, o lema deste Nkutano fala da exploração humanizada de recursos naturais. A palavra “humanizada” não vem por acaso. Ela quer significar que a exploração de recursos naturais deve beneficiar o homem e não prejudica-lo” – disse Tomás Vieira Mário.

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